A depender do tipo de nexo causal e de delimitação de perfil que se extrai da análise de dados pessoais, é possível microdirecionar conteúdos para manipular a opinião do eleitor - e não de forma legítima. Além disso, diversos acadêmicos brasileiros, como Pablo Ortellado e Pedro Abramovay, vêm apontando que passou a ser determinante para o processo político e eleitoral o fato de, na esteira da massificação dos dispositivos digitais e da conectividade, determinadas mensagens, passíveis de envio a milhares, milhões, em segundos, à revelia da Lei Geral de Proteção de Dados, circularem protegidas do escrutínio público.
Acontece que, se, nas eleições de 2018, a Justiça Eleitoral parecia um siri, andando de lado na praia, sem observar o tsunami de táticas questionáveis envolvendo dados pessoais e distribuição de conteúdo online que se aproximava, já para este processo eleitoral as regras foram revisitadas. E, de fato, com o intuito de blindar o processo eleitoral dos novos modelos de comunicação, o Tribunal Superior Eleitoral publicou a Resolução nº 23.610/2019, em que há esforço de lidar com o fenômeno de disparo em massa por empresas “chipeiras” e de uso ilegal de dados pessoais.
No entanto, ao observar a previsão atual de multa pela violação do disposto acerca da propaganda na Internet e do impulsionamento de conteúdos – que vai de R$ 5 mil a R$ 30 mil ou valor equivalente ao dobro da quantia despendida, se esse cálculo superar o limite máximo da multa –, há de se questionar se a sanção é mesmo suficiente para coibir a prática, tida por alguns como divisor de águas nas eleições nacionais.
Gravidade e inelegibilidade
Nas eleições, a depender da recorrência e gravidade das ilegalidades praticadas, é possível que o candidato incorra em abuso de poder econômico, o que levaria à cassação de seu registro e sua inelegibilidade. O abuso do poder econômico previsto na Constituição (art. 14, § 9º) é conceito indeterminado, que pode assumir contornos diversos a depender do caso concreto. Apenas as peculiaridades examinadas na situação real permitirão ao julgador afirmar se está diante da prática de abuso ou não.
Antes da edição da Lei da Ficha Limpa (LC nº 135 de 2010), vale lembrar, a caracterização do abuso do poder econômico exigia que a conduta tivesse potencial de comprometer a lisura das eleições. Era a chamada “potencialidade lesiva”. Na legislação atual, no entanto, é suficiente, conforme interpretação do próprio TSE, a configuração da prática abusiva e a gravidade das circunstâncias que a caracterizam (art. 22 da LC 64/1990).
E, uma vez que a resolução de 2019 do TSE proíbe explicitamente doação de bancos de dados sua compra e venda e o disparo em massa, a análise da abusividade de tal tipo de prática deixaria de ser subjetiva, à medida que o regulador optou por detalhar o que é permitido ou não.
O enquadramento de propaganda eleitoral ilegal e/ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social enquanto abuso de poder econômico está no centro da ação no TSE que discute a cassação da chapa Bolsonaro/Mourão, eleita no pleito de 2018. Agora, ainda nos resta aguardar a interpretação da Justiça eleitoral acerca de quais violações (em suas combinações e recorrências, inclusive) serão consideradas graves e configurarão abuso de poder econômico.
E tal interpretação não terá impacto apenas no pleito deste ano. As próximas decisões darão o tom de como os recursos digitais serão ou não explorados no futuro da democracia brasileira, a depender dos riscos que a adoção de uma eventual prática ilegal neste campo atrair.
Diante da recente denúncia publicada no jornal Folha de S. Paulo de que empresas seguem oferecendo disparos em massa utilizando “chipeiras”, contas no WhatsApp e bancos de dados extraídos ilegalmente de redes sociais, está evidente que casos para a Justiça Eleitoral não vão faltar. O Ministério Público de São Paulo já instaurou procedimento de investigação para apurar tais denúncias e, por via das dúvidas, mandou alertar todos os partidos de que tais práticas implicam em multa.
Mas alertou também que, em última instância, podem levar a uma ação eleitoral por abuso de poder econômico, o que resultaria num preço muito mais caro a ser pago pelas candidaturas do que os R$ 30 mil de teto das multas. Resta saber se cão que ladra, morde. E se a Justiça Eleitoral, desta vez, cumprirá com seu papel de condenar exemplarmente aqueles que burlam as regras eleitorais e comprometem, em menor ou maior escala, o resultado dos pleitos.
Fonte: Congresso em Foco
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