Uma medida recém-adotada pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral)
promete revolucionar a maneira como são criados os partidos políticos no
Brasil.
Instrução aprovada pela corte em 31 de agosto regulamentou a coleta
de assinaturas digitais para a criação de novas legendas, com prazo de
120 dias para sua implementação. Em outras palavras, a regra deverá
valer já no início de 2022, salvo algum adiamento de última hora.
O tribunal criou duas novas possibilidades de assinatura, além da que
ocorre hoje, manual. Uma delas, por meio de certificado digital, deverá
ter impacto restrito, já que apenas 5 milhões de pessoas físicas
possuem esse instrumento atualmente, que custa no mínimo R$ 50 e tem
prazo limitado. Isso equivale a apenas 3,4% do eleitorado.
É a outra alternativa que poderá provocar um “big bang” partidário: a
possibilidade de dar assinatura pela criação de uma legenda usando o
aplicativo já existente da Justiça Eleitoral para celulares, o e-Título.
O modelo exato do novo sistema ainda está sendo desenvolvido pela
área técnica do tribunal. Deverá envolver um token gerado a partir dos
dados fornecidos pelo eleitor numa área do aplicativo, possibilitando a
assinatura de forma segura.
Para usar o aplicativo, será necessário fazer a biometria junto ao
TSE, um processo já bem adiantado e utilizado em diversas cidades nas
últimas eleições.
Atualmente, há 82 pedidos de criação de partidos em aberto no TSE.
Formar uma legenda é um processo tortuoso, que envolve a coleta de 492
mil assinaturas, distribuídas em ao menos nove estados.
Em seguida, numa etapa muitas vezes ainda mais complexa, é preciso
que elas sejam validadas pelos cartórios eleitorais, com base em uma
série de critérios: a assinatura tem de ser compatível com a do registro
eleitoral, o apoiador deve estar com seu cadastro eleitoral
regularizado e não pode ser filiado a nenhuma legenda, entre outros
pontos.
Além disso, tudo deve ser feito num prazo de dois anos, caso contrário o processo é invalidado.
A coleta digital por meio do aplicativo eliminaria diversos entraves da versão manual.
O sistema logo de cara barraria aqueles que estivessem com problemas no cadastro ou fossem filiados a outras legendas.
Na sessão do TSE em que a instrução foi aprovada, o relator, ministro
Luis Felipe Salomão, chamou a mudança de “um salto” em relação ao
modelo atual.
“Primeiro, porque haveria uma verificação prévia da aptidão do
cidadão para conceder o apoio à criação de partido político, não sendo o
código [no aplicativo] gerado para a pessoa com direitos políticos
suspensos ou filiada a partido político”, declarou.
Ele também listou como vantagens o fato de haver bem mais usuários do
e-Título do que detentores de certificados digitais, e o fato de que o
próprio aplicativo da Justiça Eleitoral ficaria mais atrativo, ao ter
mais funcionalidades.
Na lista de partidos na fila do TSE, nenhum chama mais a atenção do
que o Aliança Pelo Brasil, que foi proposto pelo próprio presidente Jair
Bolsonaro, em 2019. Embora o projeto tenha sido abandonado por ele
desde então, permanece tendo assinaturas coletadas, sobretudo em eventos
da direita.
Segundo seu principal idealizador, Luís Felipe Belmonte, o processo
de criação de um partido pode ser abreviado para até seis meses, com a
coleta digital.
“A pessoa às vezes assina em São Paulo, mas esquece que o título dela
é da Paraíba por exemplo. Daí o cartório rejeita. Com a assinatura
digital, não tem esse problema”, diz.
No caso do Aliança, afirma, a mudança não deverá surtir efeito
prático, porque o prazo de criação do partido se esgota em dezembro
–embora o TSE tenha sinalizado que fará uma extensão de 120 dias para
todas as legendas em formação, para compensar as dificuldades causadas
pela pandemia.
No site do TSE, o Aliança tem 133 mil assinaturas confirmadas.
Segundo Belmonte, há mais 350 mil esperando aprovação, e outras seguem
sendo coletadas. Ele diz que a expectativa é encerrar o processo de
coleta de apoios até o final de outubro, dando condição à Justiça
Eleitoral para aprovar o novo partido antes de março, em tempo de
disputar a eleição de 2022.
A nova modalidade de assinatura digital também poderá tirar do papel
projetos antigos de criação de partidos, como uma legenda ligada ao MBL
(Movimento Brasil Livre).
No início do mês, um dos principais líderes do movimento, o deputado
federal Kim Kataguiri (DEM-SP), teve reunião com o TSE para se informar
sobre a mudança. Mas qualquer iniciativa ficaria para o pós-eleição, diz
ele.
“Primeiro disputamos 2022, depois voltamos a discutir isso”, afirma
Kataguiri. Segundo ele, antes o movimento quer saber se o aplicativo
realmente será simples e fácil de usar, como o TSE promete.
“Vai depender de como for este aplicativo, do nível de burocracia, de como vão autenticar a assinatura do eleitor”, diz.
Para o MBL, que tem uma grande base digital de apoiadores, a
possibilidade de criação de partido pela via eletrônica faz todo o
sentido, afirma o parlamentar.
Um efeito colateral possível da digitalização do processo é expandir um campo partidário já inflacionado, hoje com 33 legendas.
Fonte: BG