Operações em universidades e debates sobre Escola sem Partido têm dominado as discussões sobre educação no país. As questões são relevantes, mas os desafios do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) na área são ainda mais amplos.
Envolvem 49 milhões de estudantes, baixos índices de aprendizagem e 2,7 milhões de crianças e jovens fora da escola. Ambos os problemas, de permanência e aprendizado, têm maior impacto entre as famílias mais pobres.
Os rumos da educação não serão definidos apenas no Ministério da Educação. Dependem da política econômica e do Congresso. A ação de estados e municípios e a colaboração entre os entes federados será outro foco.
“Podemos dividir a condução das políticas em nível federal em duas avenidas: a avenida do MEC e a avenida do Legislativo. Elas são adjacentes”, diz Priscila Cruz, do Todos Pela Educação.
O cenário é de grandes desafios, da educação infantil ao ensino superior. Menos de um terço das crianças até 3 anos estão em creche. O acesso é desigual: entre os 25% mais ricos, a taxa de matrícula é de 55%, enquanto para os mais pobres, o índice é de 26%.
A meta incluída no PNE (Plano Nacional de Educação) é ter ao menos metade das crianças de até três anos em creches até 2024. Na pré-escola, todas as crianças de quatro e cinco anos deveriam estar matriculadas desde 2016. No entanto, mais de 500 mil não têm vaga (9,5% do total).
A educação infantil depende da existência de escolas. O custo de manutenção é maior do que de outras etapas.
O fundamental está praticamente universalizado, mas as taxas de reprovação e abandono aumentam a partir do 6º ano. É um reflexo de baixos índices de aprendizagem, falta de apoio para que os alunos continuem nos estudos e pouca atratividade da escola.
Nem metade das escolas de ensino fundamental têm bibliotecas, menos de 40% têm quadras, e 45% dos diretores disseram em 2015 que o funcionamento da escola já foi dificultado pela inexistência de professores.
Do total de alunos que se matricularam no 1º ano do ensino fundamental em 2006, só um terço concluiu o ensino médio na idade esperada em 2017. E, além disso, só 7% dos estudantes terminam o ensino médio com aprendizagem adequada em matemática.
Ainda mais grave é a taxa de 9% dos dos jovens de 15 a 17 anos que não estudam nem terminaram a etapa. São 903 mil. No ano passado, só 59,2% dos jovens de até 19 anos haviam concluído o ensino médio.
O maranhense Francisco de Sousa, 19, do povoado rural Mucambinho, a 25 km do centro de Buriti (a 332 km de São Luís), abandonou as aulas em 2017, no 1º ano do ensino médio. Demorava 2h30 para chegar à escola que oferecia a etapa, pois, no vilarejo, só há aulas até o 9º ano.
“Eu gostava da escola, sei que era importante, mas era muito difícil”, disse ele em agosto, quando a Folha esteve no local. “Trabalho na roça, mas não gosto.”
Pela Constituição, as matrículas da educação infantil e do ensino fundamental são de responsabilidade dos municípios, as de ensino médio, dos estados, e o ensino superior fica a cargo da União. Mas há previsão de colaboração.
“O maior desafio continua sendo a qualidade da educação básica, com a melhora da equidade do sistema. Isso passa pela formação de professores e carreira”, diz Maria Helena Guimarães de Castro, ex-secretária executiva do MEC no governo Michel Temer (MDB).
Especialistas indicam a questão docente como uma das prioridades para o país. Os salários dos professores são equivalentes a pouco mais da metade da média do que ganham profissionais com o mesmo nível de formação
“Há evidências fortes do impacto da qualidade do professor no sucesso da educação, e isso passa pela formação, vinculada ao MEC”, diz Priscila Cruz. “O governo atual já começou a olhar para o currículo da formação de professores e espera-se que seja incorporado com o novo governo”.
Estão no Congresso temas como o Sistema Nacional de Educação, que versa sobre a colaboração entre União, estados, municípios e escolas, e a renovação do Fundeb. O fundo transfere recursos para as redes proporcionalmente ao número de alunos e representa R$ 4 de cada R$ 10 gastos na educação básica.
Estão em discussão alterações sobre os critérios de distribuição do fundo, privilegiando municípios mais pobres, e a ampliação do papel da União, que faz hoje uma complementação de 10%.
Os gastos com educação no Brasil, em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), são similares à média dos países desenvolvidos. Mas, além de o país só ter chegado a esse nível recentemente, o valor por aluno é menor. Representa 40% do gasto médio por estudante dos países ricos.
Há ainda diferenças regionais. Dos 5.570 municípios, 62% (3.199) têm menos de R$ 400 por mês por aluno.
O PNE coloca como meta o investimento de 10% do PIB em educação. O cálculo do plano levou em conta as 19 metas que versam sobre acesso à escola, formação e valorização profissional e ensino superior.
“É um risco o esvaziamento do plano, que foi um esforço suprapartidário. As metas deveriam ser o principal instrumento da organização da política educacional”, diz Denise Carreira, da Ação Educativa.
Não há indicações da posição do governo Bolsonaro sobre o Fundeb, mas o programa do presidente eleito reforça que os recursos atuais da educação já seriam suficientes, sendo necessários ajustes de gestão.
Em relação aos desafios do ensino superior, os dados mostram que a universidade ainda é para poucos no Brasil. Apenas 18% dos jovens de 18 a 24 anos estão matriculados. A meta do PNE é chegar a 33% em 2024.
A expansão do sistema federal universitário e a lei de cotas (de 2012) ajudaram a mudar o perfil dos universitários.
Bolsonaro já disse ser contra cotas. O texto da lei prevê revisão em 2022. O financiamento da universidade pública tem sido colocado em xeque. Enquanto a educação infantil consome 0,7% do PIB, o ensino superior fica com 1,2%.
Especialistas questionam esse abismo, uma vez que há evidências de que receber educação na primeira infância tem forte impacto na vida adulta. Também há críticas sobre a gestão das federais, com relação, por exemplo, a altos índices de evasão.
Futuro líder da área econômica do governo, Paulo Guedes defende o pagamento de mensalidades nas públicas. Isso depende de mudança na Constituição, que requer votações na Câmara e no Senado, em dois turnos, com apoio de três quintos do Congresso.
O PNE coloca como meta o investimento de 10% do PIB em educação. O cálculo do plano levou em conta as 19 metas que versam sobre acesso à escola, formação e valorização profissional e ensino superior.
“É um risco o esvaziamento do plano, que foi um esforço suprapartidário. As metas deveriam ser o principal instrumento da organização da política educacional”, diz Denise Carreira, da Ação Educativa.
Folhapress
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