BRASÍLIA — O desfile militar promovido pelo presidente Jair Bolsonaro na Esplanada dos Ministérios nesta terça-feira, mesmo dia em que pode ser votada a proposta de emenda constitucional (PEC) do voto impresso, provocou reação de parlamentares. Integrantes da CPI da Covid foram os primeiros a se pronunciar. O presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM) disse que o desfile é uma demonstração de fraqueza.
Bolsonaro é defensor da medida, mas a expectativa é que o Congresso derrube a PEC. O presidente sustenta, sem provas, que houve fraudes nas urnas eletrônicas e já ameaçou não haver eleições em 2022 se o voto impresso não for adotado.
— Bolsonaro não tem o direito de usar a máquina pública para ameaçar a própria democracia que o elegeu. Em apenas dois anos e meio de mandato, Bolsonaro colocou o país nessa posição vexatória. Degradou as instituições, e rebaixou as Força Armadas, formadas em sua grande maioria por homens sérios e honrados. Todo homem público, além de cumprir suas funções constitucionais, deveria ter medo do ridículo. Mas Bolsonaro não liga para nenhum desses limites, como fica claro nessa cena patética de hoje que mostra apenas a ameaça de um fraco que sabe que perdeu — disse Omar Aziz na abertura da sessão desta terça-feira da CPI, acrescentando:
— Não haverá voto impresso. Não haverá golpe contra a nossa democracia. Instituições, Congresso à frente, não permitiria. Democracia tem instrumentos para defender a própria democracia contra arroubos golpistas. Agressões à Constituição não são legítimas. Defender golpe não é aceitável. Defender o fim da democracia precisa ser punido com o rigor da lei. Nós, os democratas, estamos aqui a postos, para defender a democracia e nosso país.
Omar Aziz disse que o desfile mostra a fraqueza de um presidente acuado pelas investigações de corrupção, inclusive da CPI, e pela incompetência que gera fome, desemprego e mortes. Ele afirmou que a democracia é inegociável e fez menção a um episódio ocorrido em 1984, no fim da ditadura militar, quando se discutia se o próximo presidente civil seria eleito de forma direta ou indiretamente pelo Congresso.
— Em 1984, estava eu aqui em Brasília quando o general Newton Cruz colocou seus tanques contra o voto direto. Não houve o enfrentamento, mas a história registra até hoje. Por isso o Congresso Nacional não pode se curvar a isso — disse Aziz.
Assim, o presidente da CPI pediu punição a golpistas:
— É necessário que tome providências. Punição àqueles que, mesmo brincando, falam de golpe como se fosse uma coisa normal. Àqueles que de uma forma de brincadeira tratam a democracia com se fosse uma coisa que não deve ser respeitada. Democracia deve ser respeitada. Divergência de opinião faz parte da democracia, O que não faz parte da democracia é arroubo, mostrar força aos próprios brasileiros. Mostre força para possíveis inimigos de fora do país, aqueles que querem atacar a soberania brasileira, não contra os brasileiros que construíram esta nação. Não vamos permitir isso. E eu espero que a CPI da Covid tome a frente disso e continue mostrando os desmandos que este governo tem em relação à morte de milhares de brasileiros, e de milhões de sonhos neste momento.
O vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) destacou frase de Ulysses Guimarães, que disse "traidor da constituição é traidor da pátria". Assim como Omar, Randolfe também afirmou que o desfile é uma demonstração de fraqueza.
— O que estamos vendo na Praça dos Três Poderes, na Esplanada dos Ministério é uma patética demonstração de fraqueza. Mais patético que os desfiles de Kin Jong-Un [ditador da Coreia do Norte] em Pyongyang [capital norte-coreana], que são para demonstrar força para inimigos externos. Este daqui é para demonstrar força diante de quem? Talvez não seja para mostrar forçar, mas para esconder e para desviar a atenção do que realmente importa. O que realmente importa é o balcão de negócios em que foi transformado o Ministério da Saúde. O que importa são os esquemas de corrupção que esta CPI está descobrindo. O que importa é a corrupção acumulada de quase 9%. São os 14 milhões de brasileiro desempregados. São mais de 563 mil famílias brasileiras órfãs do conta do negacionismo, do tratamento precoce sem eficácia, da pior gestão da pandemia no mundo.
O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros (MDB-AL), disse antes da sessão que os militares devem ter consciência e seus deveres constitucionais e deixar de lado as "loucuras do presidente". Ao tratar o tema na comissão, Renan atacou Bolsonaro:
— As Forças Armadas não podem, a pretexto nenhum, apoiar aspirações de um presidente da República amalucado, com comichões tirânicas, que vive a erosão da sua popularidade, e hoje é tido pelo povo brasileiro como despreparado e desonesto. Foi o que nos informaram as últimas pesquisas de opinião pública realizadas, sobretudo o Datafolha. O Congresso Nacional, alguns disseram aqui também, tem ido tímido — à exceção desta CPI —, tem burocratizadas suas ações. Tem que sair desse imobilismo para não continuar batendo palma para doido.
Outros senadores da CPI também reagiram ao desfile.
— Hoje essa exibição totalmente desnecessária, desproporcional. É verdade que essa operação acontece muitos anos. Mas nenhuma vez nós tivemos a passagem de tanques, lança-foguetes pela frente do Congresso Nacional, pela frente do Supremo Tribunal Federal, especialmente em momentos relevantes como este, em que há debate parlamentar. Ninguém tem direito de ganhar no grito, de intimidar o Parlamento — disse Humberto Costa (PT-PE), completando: — Ele quer um pretexto para o caso de perder eleição acusar fraude e aplicar um autogolpe.
— Não é só dessa vez que o presidente da República busca pelos métodos de usar o "seu Exército" para intimidar o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, os outros poderes. Não tem conseguido. Numa afronta clara à Constituição Federal no seu artigo 5º e também à legislação que garante a democracia — disse Otto Alencar (PSD-BA), afirmando que não se intimidaria.
— Uniformes, baionetas, sirenes não irão nos intimidar. Não irão nos calar — disse Simone Tebet (MDB-MS), que não é integrante a CPI, mas é figura constante na comissão.
— É mais um episódio do ataque do presidente da democracia. Quero alertar os colegas e a população brasileira: defender ditadura numa democracia é fácil, difícil mesmo é defender democracia estando numa ditadura — disse Fabiano Contarato (Rede-ES), dizendo que passou da hora de dar uma resposta a Bolsonaro e pediu que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), dê prosseguimento a um dos pedidos de impeachment.
O senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que costuma atuar de forma alinhada ao governo na pandemia, também criticou o desfile. Mas também disse que não é do Poder Judiciário, e sim do Legislativo deliberar sobre o voto impresso.
— É evidente que todos os que me antecederam aqui, tirando alguns excessos, estão com razão com relação a essa atitude hoje que poderia até ter sido cancelada. Acho que seria um gesto mais feliz se essa, entre aspas, "coincidência" do desfile aqui na Esplanada dos Ministérios fosse cancelada num dia em que tem votações tão importantes na Casa. Um erro não justifica um outro erro. O que a gente está vendo, de forma muito serena, respeito quem pensa diferentemente, é uma invasão de competência de alguns poderes sobre outros. Com todo respeito ao nosso Supremo Tribunal Federal, mas ele tem se excedido não é de hoje, é de muito tempo — disse Girão, criticando ainda o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, defensor da urna eletrônica.
Eduardo Braga (MDB-AM) disse que o voto impresso é um retrocesso. Ele também lembrou que o desfile ocorre no dia em que, além da Câmara poder votar a PEC do voto impresso, o Senado também pode revogar a Lei de Segurança Nacional da ditadura, substituindo-a por outra.
— Aí vem o presidente da República fazer uma demonstração de força com tanques e aparatos bélicos desfilando sobre a Esplanada dos Ministérios. Quero dizer que fico com a democracia. Fico com o artigo da Constituição que diz "todo o poder emanada do povo, em nome do povo será exercido". Fico também com a Constituição brasileira que estabelece direitos fundamentais e coletivos que asseguram a liberdade de expressão, da pluralidade da nossa sociedade, o Estado Laico, que asseguram ao Brasil o direito de ir e vir — disse Eduardo Braga.
Rogério Carvalho (PT-SE) lembrou a declaração do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, em 2019 sobre um novo AI-5, numa referência ao ato institucional mais duro da ditadura militar brasileira.
— Não pode tolerar ato contra a democracia de nenhuma natureza, nem provocação, nem bravata. Ainda que o presidente da República seja o maior bravateiro da história deste país, nós não podemos tolerar as bravatas dele — disse Rogério Carvalho.
Izalci Lucas (PSDB-DF) minimizou o episódio, dizendo que as Forças Armadas não agem por improviso e que o desfile já estava programado. Ele disse que as coisas não ocorrem por acaso e questionou por que a votação na Câmara foi marcada no mesmo dia. Afirmou ainda que não está defendendo o governo, mas as Forças Armadas.
Os senadores governistas também se manifestaram, mas nem todos fizeram menção direta ao desfile militar, caso do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e de Luis Carlos Heinze. Fernando defendeu as ações do governo no enfrentamento à pandemia e na economia, citando algumas delas. Luis Carlos Heinze também elogiou ações do governo, afirmou que o Brasil está no rumo certo, disse ser a favor do voto impresso, criticou a interferência do Judiciário, mas não fez menção ao desfile do governo.
— É evidente que as manifestações todas que acabamos de testemunhar retratam os posicionamentos dos parlamentares em relação ao governo federal. Continuarei defendendo o governo, embora respeite aqueles que divergem, criticam e apontam falhas — disse Luis Fernando Bezerra Coelho.
Marcos Rogério (DEM-RO) e Jorginho Mello (PL-SC), por outro lado, citaram expressamente o desfile.
— Esse desfile já estava preparado. Forças Armadas em desfiles não me assustam e não me constrangem. Tem outras coisas que me assustam e constrangem. E o Brasil já viveu isso nas últimas décadas. Eu posso dizer: me constrange o desfile de corrupção, o desfile de roubalheira, o desfile de dinheiro público saindo do Brasil e financiando obras em países dominados por ditadores, por comunistas, por uma alinhamento de esquerda que tirou do brasileiro para colocar em Cuba, na Venezuela, em tantos outros países. Esse desfile de dinheirama saindo do Brasil para financiar obras me constrange, me dói — disse Marcos Rogério, acrescentando:
— Quem tem medo de militar tem suas razões. Eu não. Não tenho medo dos militares. Tenho medo de quem usa o poder para tirar do povo, usa a República para atender seus caprichos, seu projeto de poder, a perpetuação. Felizmente os brasileiros nas urnas apertaram o botão da mudança.
Tasso Jereissati (PSDB-CE), que é crítico ao governo, falou em seguida e rebateu Rogério, lembrando que na ditadura militar não havia espaço para divergência, e pessoas eram torturadas e censuradas. Segundo ele, ver tanques passando pelo Congresso e pelo STF são como um filme de terror.
— A democracia é sagrada. E nós estamos brincando com instituição sagrada para todos aqueles que acreditam na liberdade, na diferença de opinião, na convivência da diversidade. Canhões e tanques na Praça dos Três Poderes me amedrontam e aterrorizam. Talvez porque eu sou de uma geração cuja adolescência foi gritar, clamar pela liberdade — disse Tasso.
Alessandro Vieira (Cidadania-SE), também oposicionista, fez uma crítica a quem apoia o governo:
— A caminhada de todo o governo autoritário começa cortando a cabeça dos puxa-sacos.
Jorginho Mello (PL-SC), aliado do governo, disse, em tom jocoso:
— Desde 88 faz esse desfile, agora estão dizendo que isso assombra, é um perigo para democracia. Perigo para a democracia é roubar como muita gente está acostumada neste Brasil Vamos trabalhar, fazer outras coisa. Isso é demagogia barata.
Omar Aziz reclamou da postura de Jorginho, dizendo que ele tem idade para conhecer a história.
— Não minimizem o que aconteceu hoje. Não façam isso com a memória, a história de cada parlamentar que está aqui, independente de pensamentos, de tendência política. Democracia sim, intimidação não. Democracia sim, golpe não. — disse Omar.
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