Governo quer arrecadar mais com imposto sobre super-ricos e fim de ‘jabutis’ tributários


 Imagem ilustrativa – Foto: Reprodução

Após propor um arcabouço fiscal que assegura a ampliação de despesas acima da inflação em todos os anos, a equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prepara um amplo pacote de medidas para arrecadar mais e conseguir entregar a melhora nas contas públicas prometida para os próximos anos.

A intenção é anunciar o cardápio de iniciativas já no início da próxima semana. A lista deve incluir a tributação de fundos exclusivos de investimento, voltados à alta renda (os super-ricos), a taxação de apostas esportivas e o fim de brechas legais usadas por empresas para pagar menos IRPJ e CSLL –classificadas pelo próprio ministro como “jabutis” tributários.

A elevação das receitas é um pilar central para a sustentabilidade do novo arcabouço fiscal apresentado por Haddad na quinta-feira (30). O desenho garante um aumento real dos gastos entre 0,6% e 2,5% a cada ano.

A despeito da alta prevista nas despesas, a equipe econômica traçou metas ambiciosas para o mandato e prometeu entregar um superávit de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2026. Em entrevista coletiva, o próprio ministro adiantou que anunciará nos próximos dias um pacote para arrecadar até R$ 150 bilhões adicionais.

Segundo interlocutores ouvidos pela Folha, as medidas devem assegurar uma arrecadação de ao menos R$ 50 bilhões neste ano. O impacto citado pelo ministro, portanto, seria o esperado num ano completo.

Uma das ações é a tributação dos fundos exclusivos de investimento, em que poucos cotistas mantêm valores expressivos em aplicações. Hoje, quem investe nesses fundos recolhe IR (Imposto de Renda) apenas no resgate dos recursos, o que pode levar anos.

A sistemática é diferente de outros fundos, que sofrem incidência do chamado “come-cotas”, cobrado periodicamente sobre os rendimentos.

A intenção do governo é começar a cobrar o “come-cotas” também sobre fundos exclusivos.

“Essa regra [fiscal] não vai ser impedimento para que se cumpra aquilo convencionado pela sociedade. Apenas o que foi convencionado tem que ter a contrapartida dos setores mais abastados”, disse o ministro durante o anúncio da nova regra.

Em 2017, o governo Michel Temer (MDB) editou uma MP (medida provisória) para instituir a cobrança periódica de IR sobre os fundos exclusivos, a cada seis meses.

Na época, a estimativa era arrecadar R$ 10,72 bilhões com a cobrança de 15% de IR sobre os rendimentos acumulados desde a criação dos fundos até a data de 31 de maio de 2018.

A tributação do estoque é a principal fonte de arrecadação dessa medida, mas também foi um dos pontos de maior resistência no Congresso Nacional. A MP acabou não vingando e perdeu validade sem que o Executivo arrecadasse um centavo sequer.

A equipe de Haddad também quer resolver o impasse em torno da discussão se os benefícios fiscais do ICMS concedidos pelos estados às empresas compõem a base de cálculo de IRPJ e CSLL, dois tributos federais.

Os incentivos podem ser redução da base de cálculo, crédito presumido (para abater o valor devido), corte de alíquota, isenção, diferimento ou imunidade tributária.

Sob a ótica do contribuinte, a concessão de um benefício fiscal eleva suas receitas e amplia o lucro da empresa. Mas a legislação federal permite a exclusão desse valor da base de cálculo dos tributos quando a subvenção é concedida para incentivar investimentos, mas não para custeio (como despesas operacionais ou com pessoal).

A lei não chegou a detalhar os critérios de classificação de cada tipo de subvenção, mas a Receita Federal historicamente adota o entendimento de que a subvenção para investimento é aquela que busca estimular a instalação ou expansão de empreendimentos.

A interpretação dada pelo fisco, porém, começou a ser questionada pelos contribuintes nos últimos anos.

Em 2017, o Congresso Nacional alterou a legislação para tentar resolver a questão em favor das empresas. Um dispositivo inserido na lei complementar 160 (que buscava pôr fim à guerra fiscal entre estados) estabeleceu, de forma expressa, que os incentivos e benefícios fiscais do ICMS são considerados subvenções para investimento –ou seja, livres da tributação federal.

O texto também vedou a “exigência de outros requisitos ou condições” para o reconhecimento do benefício da isenção, abafando a atuação da Receita Federal.

A mudança foi sucedida por uma interpretação ampla dada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça). A corte deu uma vitória às empresas ao decidir que créditos presumidos do ICMS, sejam para custeio, sejam para investimento, não compõem a base de cálculo de IRPJ e CSLL.

A decisão prejudicou a arrecadação federal e encorajou os contribuintes a buscar uma isenção ainda maior. As empresas começaram a adotar o entendimento de que todos os incentivos fiscais devem ser excluídos da base de cálculo de IRPJ e CSLL, incluindo qualquer diferença por corte de alíquota do ICMS nos estados.

No próximo dia 26 de abril, o tema entrará novamente em julgamento no STJ, que vai decidir se a interpretação sobre os créditos presumidos, favorável às empresas, pode ser aplicada também aos demais tipos de benefício fiscal.

Segundo interlocutores, Haddad tem manifestado preocupação com o problema, que contribui para dilapidar as receitas do governo. O ministro aposta em uma solução e disse, durante o anúncio do arcabouço fiscal, que vai dialogar com o Judiciário sobre temas de interesse da União.

Apostas esportivas Haddad também antecipou que o governo quer taxar o mercado de apostas esportivas eletrônicas, com a expectativa de arrecadar até R$ 6 bilhões. O Ministério da Fazenda ainda avalia qual será a alíquota do tributo a ser cobrado.

Em entrevista à Folha em março, o secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, disse que o governo ainda está calibrando as estimativas do potencial de receitas com a medida.

“É uma atividade que hoje não é tributada. A gente não tem números precisos do que está acontecendo no mundo, e muito dela é ilegal. Então, é difícil fazer estimativa. É mais fácil fazer estimativa quando você já tem a receita e está aumentando a alíquota”, afirmou.

Segundo ele, as melhores experiências internacionais indicam taxar as empresas, deixando uma tributação residual para o apostador. O secretário ressalta também que a atividade lida com uma série de externalidades negativas, como vício e lavagem de dinheiro.

“O que a gente precisa encontrar é o nível ótimo de tributação, o nível que viabilize a atividade aqui e ela continue ilegal por meio de sites ao redor do mundo, mas também que arrecade o máximo possível, o suficiente para compensar as externalidades que estão sendo impostas aqui no país”, disse.

“A gente precisa regular e tributar porque essa externalidade negativa está tendo impacto na economia brasileira”, acrescentou.

A atividade é prevista em lei desde 2018, mas, segundo a Fazenda, a falta de regulamentação sobre como a lei deveria ser aplicada deixou o setor sem regras claras a serem cumpridas e sem tributação.

No mês passado, Haddad afirmou que, com a tributação do mercado de apostas eletrônicas, o governo pretende compensar a perda de arrecadação com a atualização da faixa de isenção da tabela do IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física).

“Vamos regulamentar [os jogos da internet]. Nós reajustamos a tabela do IR e isso tem uma perda pequena de arrecadação, mas tem. Nós vamos compensar com a tributação sobre esses jogos eletrônicos que não pagam nenhum imposto e levam uma fortuna de dinheiro do país”, disse o ministro em entrevista ao UOL.

O titular da Fazenda se reuniu no dia 14 de março com representantes de empresas de jogos e loterias, incluindo companhias como Betano, BetNacional e GaleraBet.

IDIANA TOMAZELLI, NATHALIA GARCIA E FÁBIO PUPO – BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) 

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