Há 50 anos, a quarta-feira daquele 1º de abril, amanhecia com aviões cortando o céu da capital. A movimentação atípica despertava para uma época de terror e para o fim do sonho de plena democracia vivida por jovens do Rio Grande do Norte. Em pouco tempo, a notícia de que o Palácio Felipe Camarão, sede do Executivo Municipal, foi tomado por militares e o então prefeito Djalma Maranhão e o vice-prefeito Luiz Gonzaga dos Santos estavam presos e depostos dos cargos, correu a cidade. O Golpe de 1964 chegava a Natal. Apesar de a deposição do presidente João Goulart já vir sendo traçada há tempos pelas Forças Armadas, em terras potiguares a euforia que alimentava a dedicação de jovens ligados a grupos de esquerda - movimentos estudantis, religiosos e rurais - impediu antecipar o acontecimento e pegou todos de surpresa.
O coronel-aviador Paulo Salema Ribeiro, que comandava a Base Aérea de Natal, solicitou audiência ao governador e comunicou o desejo de ser candidato ao governo do Estado. E deixou claro que estava descontente por AA não ter ido à posse, enviando um auxiliar para representá-lo.
Mediante a resposta de que Alves não poderia apoiá-lo devido a campanha de 1960 e pelo fato de exercer função militar, sem qualquer vinculação com o eleitorado, foi dado o prazo de 24 horas para retirar do hangar da base o avião que servia ao governo e cuja manutenção dada pelo Exército não era cobrada. O chefe de gabinete, Erivan França, chegou a ser intimado a comparecer um dia após a conversa com o governador, para prestar informação.
No Comando, França foi detido sob a acusação de que tentativa de assassinar o coronel Salema, com a contratação de presidiários para executar o serviço. A motivação era comprovar conspiração, para processar Aluízio como mentor intelectual do crime. Após ameças, a recomendação.
Com a edição do AI-5, em dezembro de 1968, o governo militar, respaldado por aliados civis no Rio Grande do Norte, começou usar a mão pesada de um regime de exceção. Aluízio teve os direitos políticos cassados. A medida se estendeu ao irmão, Agnelo Alves, prefeito de Natal, e demais políticos que representavam “perigo” ao poder central, em Brasília.
Vozes da resistência
Cálice - Chico Buarque e Gilberto Gil
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida
amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se
escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força
bruta
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser
escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço
atento
Na arquibancada pra a
qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa
vontade
Mesmo calado o peito, resta
a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Talvez o mundo não seja
pequeno
Nem seja a vida um fato
consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça
Fonte: Tribuna do Norte
ArquivoDjalma, o prefeito que criou o programa de alfabetização de adultos ‘De pé no chão também se aprende a ler’, foi cassado e preso
Maria Laly Carneiro estava em casa quando ouviu a notícia do avanço das tropas pelo rádio, naquela manhã. Dermi Azevedo se preparava para a vida religiosa, no seminário São Pedro, quando o reitor comunicou que “as forças armadas estavam derrubando o comunismo”. Nei Leandro de Castro e Geniberto Campos mobilizavam estudantes no diretório, enquanto os estudantes de direito e engenharia civil, Marcos Guerra, Josemá Azevedo, respectivamente, além de Meri Medeiros, liderança da Liga Camponesa, estavam em outros estados tratando de projetos de educação e política.
Mesmo entre os gestores do poder executivo, o golpe não era esperado. Um dia antes, o vice-prefeito Luiz Gonzaga presidiu sessão na Câmara Municipal de Natal em que escolheu a mesa diretora que conduziria os trabalhos legislativos naquele ano, segundo arquivo desta TN.
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Ainda naquela manhã de 1º de abril, Djalma Maranhão comunicou ao Comandante Militar e ao Secretário de Segurança Pública, sua posição em favor da democracia e da preservação do mandato do presidente João Goulart. E reuniu-se na Prefeitura com secretários, lideranças estudantis, sindicais e políticas para, por meio de notas oficiais, convocar os natalenses a resistir ao golpe.
Mas não houve manifestações populares de resistência, a exemplo das registradas no Rio de Janeiro e São Paulo. Aqui, autoridades militares e o governo do Estado foram ágeis em tomar medidas preventivas para impedir – pelo uso da força - a perturbação da ordem pública.
Tropas tomaram as ruas, repartições públicas e foram instaurados diversos Inquéritos Policiais Militar (IPM) contra a subversão, levando centenas de pessoas para a prisão no Comando da Polícia Militar, 16º Regimento de Infantaria (RI) e o Regimento de Obuses (RO) do Exército em Natal, além de quarteis em Recife, Fernando de Noronha (PE) e Fortaleza (CE).
O primeiro IPM, foi criado pelo Estado em 23 de abril, por força do ato institucional número 1 (AI-1), a Comissão de Investigação, conhecida como “Relatório Geral” e importava de Pernambuco dois militares que entrariam para a história do movimento de repressão ao comunismo no RN: o capitão Carlos Moura de Morais Veras e o capitão José Domingos da Silva. Com treinamento especial na CIA, os agentes tinham o aval para deter e torturar os subversivos que promoviam mobilizações populares.
Cinco décadas depois, a história ainda cobra a responsabilidade de atos de violência, a partir da instalação de Comissões da Verdade e Memória.
MANDATO DEVOLVIDO
A cassação do prefeito Djalma Maranhão e do vice-prefeito Luís Gonzaga dos Santos, durante a ditadura militar no Brasil será anulada. Os vereadores farão a devolução simbólica dos mandatos e retratação pública pelo impeachment, em em sessão solene prevista para a próxima quarta-feira, na Câmara Municipal do Natal.
Com o golpe de 1964, o prefeito Djalma Maranhão - em segundo mandato, eleito em 1960 na primeira eleição direta na capital - foi afastado do cargo, preso e teve o mandato cassado. Após a prisão, foi alvo de investigação conduzida pelo capitão Ênio de Lacerda. O prefeito deposto, o médico Vulpiano Cavalcanti – um dos mais expressivos comunistas no Estado – Moacir de Góes, Aldo Tinoco, alguns estudantes universitários, entre outros, foram levados para o 16 RI, onde sofreram tortura e foram submetidos a exaustivos interrogatórios.
Em agosto daquele ano, Djalma Maranhão, e o irmão Luís Maranhão Filho, militante do PCB, Luiz Floriano Bezerra e Aldo Tinoco foram embarcados para a prisão na ilha de Fernando de Noronha. Quatro meses depois era posto em liberdade por Habeas Corpus do Supremo Tribunal Federal. Djalma Morreu no exílio, em Montevidéu, em 30 de julho de 1971, aos 56 anos de idade.
O Rio Grande do Norte ficou conhecido e ganhou importância política devido à época por projetos de erradicação do analfabetismo com a Campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, de Djalma Maranhão, além da alfabetização de adultos pelo método de 40 horas, do pedagogo Paulo Freire, que teve a primeira experiência em Angicos, em 63. Essas iniciativas, assim como a educação à distância promovida pela Rádio Rural, de alfabetização o cunho de formação política e social. Tais processos foram cessados com o Golpe de 64 - além de levar a prisão e exílio idealizadores e envolvidos.
ALUÍZIO ALVES
Se agiram rápido para tirar o prefeito Djalma Maranhão do poder, os militares, no primeiro momento, preservaram o governador da época, Aluízio Alves, que fazia um governo inovador. Um ano antes, Aluízio tinha inaugurado a energia de Paulo Afonso numa festa com a presença do presidente João Goulart. Essa trégua era questão de tempo. Os problemas começaram já nas articulações para a sucessão de Aluízio em 1965. No final de março daquele ano, os jornais de Natal publicavam anúncios, pagos por empresas privadas, saudando o primeiro aniversário da “Revolução Democrática”.
ArquivoAo lado de Jango, Aluízio inaugurou a energia de Paulo Afonso
O coronel-aviador Paulo Salema Ribeiro, que comandava a Base Aérea de Natal, solicitou audiência ao governador e comunicou o desejo de ser candidato ao governo do Estado. E deixou claro que estava descontente por AA não ter ido à posse, enviando um auxiliar para representá-lo.
Mediante a resposta de que Alves não poderia apoiá-lo devido a campanha de 1960 e pelo fato de exercer função militar, sem qualquer vinculação com o eleitorado, foi dado o prazo de 24 horas para retirar do hangar da base o avião que servia ao governo e cuja manutenção dada pelo Exército não era cobrada. O chefe de gabinete, Erivan França, chegou a ser intimado a comparecer um dia após a conversa com o governador, para prestar informação.
No Comando, França foi detido sob a acusação de que tentativa de assassinar o coronel Salema, com a contratação de presidiários para executar o serviço. A motivação era comprovar conspiração, para processar Aluízio como mentor intelectual do crime. Após ameças, a recomendação.
Com a edição do AI-5, em dezembro de 1968, o governo militar, respaldado por aliados civis no Rio Grande do Norte, começou usar a mão pesada de um regime de exceção. Aluízio teve os direitos políticos cassados. A medida se estendeu ao irmão, Agnelo Alves, prefeito de Natal, e demais políticos que representavam “perigo” ao poder central, em Brasília.
Vozes da resistência
Cálice - Chico Buarque e Gilberto Gil
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como beber dessa bebida
amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se
escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força
bruta
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser
escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço
atento
Na arquibancada pra a
qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa
vontade
Mesmo calado o peito, resta
a cuca
Dos bêbados do centro da cidade
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue
Talvez o mundo não seja
pequeno
Nem seja a vida um fato
consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça
Fonte: Tribuna do Norte