Foto: Dado Galdieri / Bloomberg News
A equipe econômica trabalha em um projeto para aperfeiçoar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A ideia é fechar brechas que foram usadas pela maioria dos estados nos últimos anos para manobrar suas finanças e que acabaram contribuindo para o atual quadro de penúria fiscal dos governos regionais.
Integrantes do Ministério da Fazenda afirmam que a proposta vai tratar de quatro problemas. O principal deles é a forma como os estados contabilizam despesas de pessoal. Vários governadores retiram desse cálculo o que gastam com terceirizados, aposentados e até com o Imposto de Renda (IR) que incide sobre os salários dos servidores. Isso mascara o valor real dessa conta.
O projeto também vai abordar o uso das receitas de royalties para honrar despesas correntes, a transferência de despesas de um mandato para o seguinte e a dificuldade dos estados em fazer com que os poderes autônomos (Legislativo e Judiciário) contingenciem despesas em caso de dificuldades do governo para o cumprimento das metas fiscais.
— O que defendemos é que haja uma reforma da LRF. O quadro de dificuldade nos estados deixa claro que isso precisa ocorrer. Queremos fazer um debate com os estados, tribunais de contas e outros poderes para que todos deem sua contribuição para construir o projeto — afirmou ao GLOBO um integrante da equipe econômica envolvido nas discussões.
A LRF define parâmetros para que os estados sejam considerados saudáveis financeiramente. Um deles é que os gastos com pessoal não podem ultrapassar 60% da Receita Corrente Líquida (RCL). No entanto, a lei tem sido distorcida. Com as bênçãos de tribunais de contas, muitos estados acabaram abrindo exceções no que deveria ser computado como despesa de pessoal. Assim, na hora de prestar contas, os governadores parecem enquadrados na LRF, mas isso está longe da realidade.
DISCREPÂNCIA NOS DADOS
Esse quadro fica claro quando se observa o último boletim das finanças públicas dos entes subnacionais publicado pelo Tesouro Nacional. O documento compara as estatísticas estaduais com cálculos feitos pelo Ministério da Fazenda. Na contabilização dos estados, apenas dois deles estão acima do limite de 60% de gastos com pessoal previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal. No entanto, na conta da equipe econômica, o total sobe para oito, sendo que vários já atingiram a casa de 70%. Minas Gerais, por exemplo, aparece com 57,33% da receita gasta com pessoal numa conta e com 78% na outra.
— A LRF é totalmente desrespeitada no que diz respeito a despesas de pessoal. Nesse campo, ela virou letra morta. Em vários lugares, os poderes autônomos fizeram pressão para retirar despesas com inativos da conta e isso distorceu completamente os números — disse o especialista em contas públicas Raul Velloso.
Um segundo problema está no uso de royalties para pagar despesas correntes, como folha de pessoal. Segundo os técnicos do governo, essa arrecadação faz parte da receita corrente líquida dos estados, mas é muito volátil. Com a queda dos preços do petróleo nos últimos anos, as receitas de royalties despencaram e afetaram o equilíbrio das contas de alguns estados. Esse é o caso do Rio de Janeiro.
Entre 2012 e 2015, a receita bruta do Rio cresceu 25%, passando de R$ 48,118 bilhões para R$ 60,292 bilhões. No entanto, considerando a conta onde estão os royalties, o que houve foi uma queda de 18,8% no período. Já a conta de pessoal (a mais pesada) saltou 52%, de R$ 20,813 bilhões para R$ 31,681 bilhões. Somente a conta com inativos e pensionistas subiu 106,5%, de R$ 5,251 bilhões para R$ 10,841 bilhões.
— A receita de royalties precisa ter um uso adequado. Ela hoje compõe a receita corrente líquida, mas é muito volátil — afirmou a fonte do governo, explicando que o governo ainda vai avaliar como evitar desequilíbrios como o que ocorre no Rio.
Outra preocupação é garantir que um governador não possa se comprometer com a criação de despesas que terão impactos sobre as contas de seu sucessor. Neste caso, Raul Velloso avalia que a LRF está adequada.
O artigo 42 da lei determina que “é vedado ao titular de Poder, nos últimos dois quadrimestres de seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito”.
— A vedação de jogar despesas para o sucessor já está na lei. A questão é que tem que executar essa regra. Hoje, a LRF não é respeitada nisso — afirmou o especialista.
Outro objetivo da equipe econômica é reforçar a orientação para que os poderes autônomos tenham que conter gastos em caso de risco de cumprimento de metas fiscais dos estados.
O técnico do governo explica que, na União, quando é preciso contingenciar despesas, Judiciário e Legislativo são orientados a seguir o mesmo caminho de forma proporcional. Mas isso não se reproduz nos estados:
— Quando é preciso limitar o empenho, a União orienta os líderes dos demais poderes a fazerem o mesmo e isso se concretiza. Nos estados, isso não acontece. É preciso deixar claro na lei que essa orientação precisa ser seguida.
Outra ideia da equipe econômica é implementar alguns instrumentos que hoje são previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal e que nunca foram regulamentados. Um exemplo é o Conselho de Gestão Fiscal, composto por integrantes de todos os poderes, do Ministério Público e de representantes da sociedade, com o objetivo de monitorar as finanças públicas e propor normas de padronização das prestações de contas.
PRESSÃO DO FUNCIONALISMO
Uma reforma da LRF estava prevista no projeto de lei que define a renegociação das dívidas de estados com a União. Originalmente, o texto enviado ao Congresso pelo ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, no início do ano, obrigava os estados a mudarem a contabilização de despesas de pessoal, dando um prazo de adaptação de dez anos. Além disso, o projeto excluía os royalties do conceito de receita.
No entanto, pressionado por categorias do funcionalismo, a equipe do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, recuou, deixando as mudanças na LRF para um segundo momento. O funcionalismo via na nova regra um risco para a concessão de novos reajustes de salários e para a realização de concursos públicos.
A equipe econômica trabalha em um projeto para aperfeiçoar a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A ideia é fechar brechas que foram usadas pela maioria dos estados nos últimos anos para manobrar suas finanças e que acabaram contribuindo para o atual quadro de penúria fiscal dos governos regionais.
Integrantes do Ministério da Fazenda afirmam que a proposta vai tratar de quatro problemas. O principal deles é a forma como os estados contabilizam despesas de pessoal. Vários governadores retiram desse cálculo o que gastam com terceirizados, aposentados e até com o Imposto de Renda (IR) que incide sobre os salários dos servidores. Isso mascara o valor real dessa conta.
O projeto também vai abordar o uso das receitas de royalties para honrar despesas correntes, a transferência de despesas de um mandato para o seguinte e a dificuldade dos estados em fazer com que os poderes autônomos (Legislativo e Judiciário) contingenciem despesas em caso de dificuldades do governo para o cumprimento das metas fiscais.
— O que defendemos é que haja uma reforma da LRF. O quadro de dificuldade nos estados deixa claro que isso precisa ocorrer. Queremos fazer um debate com os estados, tribunais de contas e outros poderes para que todos deem sua contribuição para construir o projeto — afirmou ao GLOBO um integrante da equipe econômica envolvido nas discussões.
A LRF define parâmetros para que os estados sejam considerados saudáveis financeiramente. Um deles é que os gastos com pessoal não podem ultrapassar 60% da Receita Corrente Líquida (RCL). No entanto, a lei tem sido distorcida. Com as bênçãos de tribunais de contas, muitos estados acabaram abrindo exceções no que deveria ser computado como despesa de pessoal. Assim, na hora de prestar contas, os governadores parecem enquadrados na LRF, mas isso está longe da realidade.
DISCREPÂNCIA NOS DADOS
Esse quadro fica claro quando se observa o último boletim das finanças públicas dos entes subnacionais publicado pelo Tesouro Nacional. O documento compara as estatísticas estaduais com cálculos feitos pelo Ministério da Fazenda. Na contabilização dos estados, apenas dois deles estão acima do limite de 60% de gastos com pessoal previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal. No entanto, na conta da equipe econômica, o total sobe para oito, sendo que vários já atingiram a casa de 70%. Minas Gerais, por exemplo, aparece com 57,33% da receita gasta com pessoal numa conta e com 78% na outra.
— A LRF é totalmente desrespeitada no que diz respeito a despesas de pessoal. Nesse campo, ela virou letra morta. Em vários lugares, os poderes autônomos fizeram pressão para retirar despesas com inativos da conta e isso distorceu completamente os números — disse o especialista em contas públicas Raul Velloso.
Um segundo problema está no uso de royalties para pagar despesas correntes, como folha de pessoal. Segundo os técnicos do governo, essa arrecadação faz parte da receita corrente líquida dos estados, mas é muito volátil. Com a queda dos preços do petróleo nos últimos anos, as receitas de royalties despencaram e afetaram o equilíbrio das contas de alguns estados. Esse é o caso do Rio de Janeiro.
Entre 2012 e 2015, a receita bruta do Rio cresceu 25%, passando de R$ 48,118 bilhões para R$ 60,292 bilhões. No entanto, considerando a conta onde estão os royalties, o que houve foi uma queda de 18,8% no período. Já a conta de pessoal (a mais pesada) saltou 52%, de R$ 20,813 bilhões para R$ 31,681 bilhões. Somente a conta com inativos e pensionistas subiu 106,5%, de R$ 5,251 bilhões para R$ 10,841 bilhões.
— A receita de royalties precisa ter um uso adequado. Ela hoje compõe a receita corrente líquida, mas é muito volátil — afirmou a fonte do governo, explicando que o governo ainda vai avaliar como evitar desequilíbrios como o que ocorre no Rio.
Outra preocupação é garantir que um governador não possa se comprometer com a criação de despesas que terão impactos sobre as contas de seu sucessor. Neste caso, Raul Velloso avalia que a LRF está adequada.
O artigo 42 da lei determina que “é vedado ao titular de Poder, nos últimos dois quadrimestres de seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito”.
— A vedação de jogar despesas para o sucessor já está na lei. A questão é que tem que executar essa regra. Hoje, a LRF não é respeitada nisso — afirmou o especialista.
Outro objetivo da equipe econômica é reforçar a orientação para que os poderes autônomos tenham que conter gastos em caso de risco de cumprimento de metas fiscais dos estados.
O técnico do governo explica que, na União, quando é preciso contingenciar despesas, Judiciário e Legislativo são orientados a seguir o mesmo caminho de forma proporcional. Mas isso não se reproduz nos estados:
— Quando é preciso limitar o empenho, a União orienta os líderes dos demais poderes a fazerem o mesmo e isso se concretiza. Nos estados, isso não acontece. É preciso deixar claro na lei que essa orientação precisa ser seguida.
Outra ideia da equipe econômica é implementar alguns instrumentos que hoje são previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal e que nunca foram regulamentados. Um exemplo é o Conselho de Gestão Fiscal, composto por integrantes de todos os poderes, do Ministério Público e de representantes da sociedade, com o objetivo de monitorar as finanças públicas e propor normas de padronização das prestações de contas.
PRESSÃO DO FUNCIONALISMO
Uma reforma da LRF estava prevista no projeto de lei que define a renegociação das dívidas de estados com a União. Originalmente, o texto enviado ao Congresso pelo ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, no início do ano, obrigava os estados a mudarem a contabilização de despesas de pessoal, dando um prazo de adaptação de dez anos. Além disso, o projeto excluía os royalties do conceito de receita.
No entanto, pressionado por categorias do funcionalismo, a equipe do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, recuou, deixando as mudanças na LRF para um segundo momento. O funcionalismo via na nova regra um risco para a concessão de novos reajustes de salários e para a realização de concursos públicos.
O Globo
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