Ministros do STF criticam remunerações acima do teto

Vencimentos inflados e falta de fiscalização do CNJ preocupam integrantes do Supremo
O ministro Marco Aurélio de Mello - André Coelho / Agência O Globo

BRASÍLIA — Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) criticaram a prática de pagamentos acima do teto constitucional que beneficiam três a cada quatro juízes brasileiros, conforme mostrou reportagem do GLOBO deste domingo. Vencimentos maiores que o recebido pelos integrantes do STF (R$ 33.763), valor estabelecido como limite no funcionalismo pela Constituição, só são possíveis graças a “dribles”, afirmou o ministro Marco Aurélio Mello.

Segundo ele, a regra constitucional é “esvaziada” pelos penduricalhos — como vantagens e indenizações — criados como forma de inflar os subsídios dos magistrados:

— Quando se criou o subsídio foi para não se ter outras parcelas. Subsídio é parcela única, não deveria haver essa distorção. Muito menos rotulando certas parcelas como indenizatórias para fugir do teto. Até porque, pela regularidade e natureza, vemos que essas parcelas são remuneratórias.

O ministro Gilmar Mendes defendeu que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), presidido pela ministra Cármen Lúcia, aja para proibir os pagamentos acima do teto no Judiciário, classificando-os de “loucura”.

— Por resoluções que editou ou pela falta de fiscalização, o CNJ permitiu que se criasse o caos e agora precisa agir para voltarmos à normalidade — disse Gilmar Mendes.

AÇÕES PARA COIBIR PARADAS NO STF

Diante dos dados graves levantados na reportagem, que apontou 89,18% dos magistrados no âmbito federal e 76,48% nos tribunais estaduais ganhando acima do limite, Gilmar disse que só “o Supremo observa o teto”. Ele citou algumas iniciativas que poderiam cessar as distorções, mas que hoje estão paradas no STF.
O ministro Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral - André Coelho / André Coelho

Uma delas é a ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em 2010 pela Procuradoria-Geral da República, no STF, questionando a lei estadual do Rio 5.535/2009, que criou uma série de pagamentos aos magistrados fluminenses não previstos na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman).

Em seu voto, o então relator Carlos Ayres Britto, hoje aposentado, acolheu parcialmente os argumentos da PGR, considerando incompatíveis com a Loman vantagens como “auxílio-saúde, auxílio pré-escolar, auxílio-alimentação, diferença de entrância, adicional de permanência, gratificação pelo exercício como Juiz Dirigente de Núcleo Regional, entre outras”. O julgamento foi paralisado por um pedido de vista do ministro Luiz Fux, em 2012.

Para Gilmar, é preciso agilizar o julgamento dessa e de outras ações que tratam dos vencimentos no funcionalismo público fora das regras constitucionais, sobretudo diante da situação das contas estaduais e municipais:

— O Estado do Rio, à beira de um colapso financeiro, deliberadamente ultrapassa o teto. Essa lei que está (sendo questionada) no Supremo criou uma série de ganhos, como auxílio-creche, auxílio-moradia, auxílio-livro.

O ministro disse que propôs uma súmula para dizer que as vantagens não previstas na Loman não são válidas, mas também não andou.

O ministro Luís Roberto Barroso também demonstrou preocupação com os números apresentados pelo GLOBO, refutando a justificativa oficial para os pagamentos, de que se referem a vantagens, indenizações ou gratificações livres do chamado abate-teto:

— O conceito de subsídio tem por propósito precisamente que não existam penduricalhos. Portanto, acho que os juízes devem ser bem remunerados, porque isso é uma garantia, mas com absoluta transparência. A sociedade precisa saber quanto paga aos juízes.

Apesar da crise econômica, foram intensas nos últimos meses as negociações para reajustar o salário dos ministros do STF. O projeto está parado no Congresso, mas vinha atraindo a atenção e o interesse de muita gente, e não apenas dos 11 integrantes da Corte. Como nenhum servidor público pode formalmente ganhar mais que um ministro do STF, um aumento poderia levar a um efeito cascata, ao permitir que outras categorias — a começar pelos juízes, desembargadores e ministros de outros tribunais superiores — também peçam reajuste.
O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF) - Givaldo Barbosa / Agência O Globo

Os demais magistrados brasileiros têm seus salários-base limitados a um percentual dos rendimentos dos integrantes do Supremo. No caso dos desembargadores, por exemplo, o salário é igual a 90,25% de um ministro do STF. Assim, aumentar o salário de um significa elevar na mesma proporção os rendimentos do outro.

O último reajuste no salário dos ministros do STF ocorreu em janeiro de 2015, quando passou de R$ 29.462,25 para R$ 33.763. O objetivo era elevá-lo agora para R$ 39.293. A proposta contava com o apoio do governo e do PMDB, mas desagradou a parte da base que apoia o presidente Michel Temer, em especial PSDB e DEM. A repercussão negativa do aumento em meio à crise surtiu efeito. Temer, ao GLOBO, declarou que o aumento dos salários dos ministros do STF geraria “cascata gravíssima”.

Um dos principais negociadores do aumento foi Ricardo Lewandowski, que presidiu o STF até o começo de setembro, quando deu lugar a Cármen Lúcia. A mudança no comando interrompeu as pretensões de reajuste. Cármen assumiu admitindo não ser o momento de conceder os reajustes.

Ao GLOBO, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, João Ricardo Costa, disse que “as recorrentes tentativas de enfraquecer o Judiciário, por ação de setores que pretendem atingir sua autonomia funcional e criminalizar suas atividades, colocando em xeque as questões remuneratórias dos juízes (...), não podem ser pretexto para atacar as prerrogativas dos magistrados”.

Fonte: O Globo
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