Para presidente do STF, sociedade precisa de transformação
Ministra Carmen Lucia fala no ‘Roda Viva’ - Jorge William / Agência O Globo
SÃO PAULO — A ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu mudanças na prerrogativa de foro privilegiado, adotado hoje no país. Segundo ela, a medida não é compatível com a República.
— Reconheço, e aprendi com alguns ex-presidentes, que quando se está no cargo, não necessariamente vai haver impugnação. Depois que se sai, ou mesmo estando no cargo, pode ser que alguém questione alguma coisa. E isso vai para um juiz que, também encantado com o fato de poder afastar o presidente da República, imagino se poderia ser o juiz responsável e competente para isso. Acho que nós temos que pensar em outra forma, que seguramente não é a prerrogativa de foro, na minha opinião. Privilégios são incompatíveis com a República.
Cármen Lúcia, que falou no programa “Roda Viva”, da TV Cultura, nesta segunda-feira à noite, defendeu também penas mais duras a juízes e comentou sobre a punição dada à magistrada Clarice Maria de Andrade, afastada por dois anos, com direito a salário, após manter por 26 dias uma adolescente de 15 anos presa em uma cela masculina com 30 homens, no Pará, em 2007:
— É o que a lei prevê. Essas penas podem ser revistas, mas é preciso mudar a lei.
A ministra fez ainda críticas aos 60 dias de férias a que os juízes têm direito e disse que não concordou com o pedido de aumento no salário feito por magistrados do STF:
— Como foi posto, não. Os magistrados brasileiros, que são na sua grande maioria ótimos juízes, precisam ter condições de trabalho, ser bem remunerados para ter condições de trabalhar com tranquilidade. Agora, aumento como foi posto e explicado, não era a hora. Nenhum juiz brasileiro quer ser pago às custas de 12 milhões de desempregados.
Ao ser lembrada dos últimos episódios de violência em presídios, como os dez mortos no estado de Roraima, Cármen Lúcia adiantou que passará a visitar penitenciárias a partir desta semana. Para ela, a questão não será resolvida por um órgão só:
— As políticas têm que ser combinadas. E grande parte da responsabilidade pela insegurança pública é nossa. Quem manda prender e soltar é o juiz. Portanto, ele precisa saber como estão as penitenciárias.
“Ética ou caos”
A ministra defendeu que a sociedade precisa mudar como um todo para que tenhamos um estado verdadeiramente ético. Segundo ela “ser honesto com o outro é dever que a gente tem”.
— Para mim é ética ou caos. Não é escolha. Mas precisamos que a sociedade também seja ética e tenha consciente que ela não pode ficar reclamando de um servidor que não o é, enquanto ela fura a fila do cinema, atravessa a grama na praça pública onde tem placa proibindo (o ato). Precisamos de ética na sociedade como um todo. Precisamos de transformação na sociedade no sentido de nos comprometermos e nos responsabilizarmos. Não podemos cobrar do outro o que não fazemos.
A ministra falou ainda numa reforma no judiciário para que haja mais celeridade na condução dos processos. Segundo ela, a demanda hoje é muito maior e que o caminho seria a desjudicialização.
Quando foi interpelada sobre o fatiamento da votação do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, a ministra afirmou que haverá uma resposta do judiciário.
— Empurrar para as calendas sem dar resposta não há possibilidade. Assim que os relatores liberarem, tenho todo interesse em dar celeridade à pauta.
Para ela, “dificilmente” haverá novas eleições, como defende o Partido dos Trabalhadores.
— Acho difícil porque a instrução de processo como esse é alongado. Pela necessidade cada vez maior de instruções muito bem feitas, tenho dúvidas.
Ainda sobre o tema, Cármen Lúcia disse lamentar por tudo que o país está passando.
— Lamento muito por tudo que nós estamos passando. Nos melhores ou piores governos, nunca acho que é culpa de uma pessoa sozinha.
Os jornalistas presentes no programa quiseram saber de Cármen Lúcia sua opinião quanto à decisão de uma juíza do Distrito Federal, que determinou a quebra de sigilo telefônico de um jornalista da revista “Época”. A ministra defendeu que “não há possibilidade de ter democracia sem imprensa livre”:
— Acho que todas as formas legislativas e judiciais de cerceamento do direito à liberdade de informação, que hoje tem natureza constitucional fundamental, contraria frontalmente a Constituição. Sou contra tudo isso.
Fonte: O Globo
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