Previdência e assistência social respondem hoje por
60% do gasto primário e são hoje a maior despesa do governo federal. Poucos
anos atrás, essa fatia era de 40%. O crescimento acelerado desses gastos está
asfixiando o Estado brasileiro e a sociedade, avalia o economista Marcos
Lisboa, presidente do Insper.
Ele defende a reforma da Previdência como um ponto
central para a retomada do crescimento. No entanto, para desatar esse nó, o
economista alerta que “não se pode confundir previdência com assistência”, algo
que, na sua opinião, ocorre no País. “Não tem de atrelar um ao outro, mas, no
Brasil, a gente atrela.” Lisboa argumenta que previdência é o resultado do
trabalho e assistência é política social compensatória para grupos específicos.
Neste caso, os benefícios são concedidos em paralelo, mas respeitando-se a
disponibilidade de dinheiro. A seguir, trechos da entrevista.
Reforma da
reforma da Previdência é central? Por quê?
A primeira razão é que a Previdência e assistência
social são responsáveis por 60% do gasto primário do governo federal. É o maior
gasto do governo. Em segundo lugar, é um gasto que cresce muito rapidamente –
há poucos anos era 40%. Isso está asfixiando o Estado brasileiro e a sociedade.
Quais as razões?
A razão é que o Brasil adotou regras de previdência
que permitem aposentadorias muito precoces. Em média, um homem se aposenta por
tempo de contribuição aos 55 anos e uma mulher, aos 53 anos. No resto do mundo,
tradicionalmente, a idade mínima é de 65 anos ou mais – sobretudo nos países desenvolvidos.
No Brasil, as pessoas se aposentam muito cedo. Você olha o quanto contribuem e
o quanto recebem de aposentadoria e a conta não fecha. Nós trabalhamos muito
menos ao longo da nossa vida do que os demais países. Estamos também
envelhecendo muito rapidamente. O Brasil teve uma transição demográfica entre
as dez mais rápidas do mundo. Gastamos o mesmo valor com aposentadorias do que
o Japão, só que eles têm três vezes mais o número de idosos. Mas tem mais uma
razão pela qual a reforma da Previdência é essencial: justiça. A nossa
Previdência beneficia os mais ricos. Aquele trabalhador do tempo de
contribuição que eu mencionei, que é o trabalhador formal, com carteira
assinada: esse trabalhador se aposenta aos 55 anos, e as trabalhadoras, aos 53.
Mas, os informais, não. Os trabalhadores de baixa renda, que não têm carteira
assinada, no campo se aposentam aos 60; nas cidades, aos 65 anos. Então, os
pobres têm de trabalhar muito mais do que os ricos para se aposentar.
E os militares?
Aí, estamos numa armadilha porque, de fato, militar
é uma profissão diferente. Temos as melhores regras? Não sei. Nós deveríamos
comparar com as regras dos demais países para ver como funciona a previdência
deles, porque militar é uma carreira diferente. O
problema no Brasil é que militar carrega o policial
militar, que é a polícia. E o tratamento acaba sendo o mesmo. Só que polícia
militar é polícia, não é militar. O Brasil inventou essa categoria curiosa. Mas
é polícia, e deveria seguir a regra dos demais servidores públicos. Então, acho
que o primeiro passo é separar a polícia militar dos militares.
Que reforma o sr. Defenderia?
Você tem pequenas diferenças técnicas entre as
propostas atualmente em voga, do Marcelo Caetano, e do Paulo Tafner e Pedro
Nery, que fizeram um trabalho maravilhoso, de muito detalhamento. A reforma da
previdência é meio que um padrão no mundo. Tem de ter uma idade mínima. E não
se pode confundir previdência com assistência. Não tem de atrelar um ao outro,
mas no Brasil a gente atrela. Previdência é o resultado do trabalho;
assistência são políticas sociais compensatórias para grupos específicos, como
deficientes, famílias carentes e por aí vai. É uma série de benefícios em
paralelo, que você concede, mas respeitando o fato de ter dinheiro para pagar a
conta. Essa é a previdência no mundo.
A chave principal é a idade mínima?
É a principal, mas está longe de ser a única. Tem
outras coisas para fazer também, como pensão por morte, uma série de itens para
serem revistos. E tem a questão dos Estados, que é um problema gravíssimo. Não
basta botar idade, tem de fazer muito mais ali para poder resolver.
Ainda assim o trabalhador privado recebe muito
pouco de aposentadoria no Brasil. Ou não?
Não! O Brasil é um país pobre. A gente esquece que
o Brasil é um país pobre. Um salário mínimo, para o Brasil, não é um salário
baixo. O Brasil é um país de renda média de R$ 2 mil a R$ 3 mil ao mês.
Quarenta por cento da população brasileira ganha menos que um salário mínimo. O
Brasil tem a fantasia de que somos um país rico, porém desigual. E que se nós
dividirmos melhor o pedaço do bolo, a gente vira um país europeu. Não viramos.
O Chile, aqui do lado, é quase duas vezes mais rico que o Brasil. Portugal e
Grécia – os países pobres da Europa – são duas vezes mais ricos que o Brasil em
termos per capita. Os países de renda média e alta aproveitaram o bônus
demográfico – momento com muita gente trabalhando e pouca gente aposentada –
para fazer infraestrutura, cuidar da educação, formar novas gerações mais
produtivas, preparar o país. Nós aqui jogamos o dinheiro fora. Uma parte foi
para Previdência e outra para maus investimentos.
Estadão Conteúdo
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