Influenciada pelo sistema criado no Chile dos anos
80, praticamente toda a América Latina já adota em seu programa previdenciário
a capitalização – modelo que o governo Jair Bolsonaro quer implementar no País
e no qual cada trabalhador tem uma conta individual para poupar a própria
aposentadoria. As principais exceções ficam por conta de Brasil, Argentina,
Paraguai e Venezuela. Na Europa, o modelo também avança, sobretudo diante de
desequilíbrios fiscais nas contas públicas dos países.
A diferença do Chile para o restante do mundo é
que, após a experiência problemática chilena, a maioria dos países adotou o
modelo como apenas um de seus pilares do sistema previdenciário. O modelo
híbrido, que predomina hoje globalmente, costuma ter um pilar de proteção
social (bancado pelo governo e para o qual não é preciso ter contribuído para
receber o benefício), um de repartição (atual sistema brasileiro, onde os
trabalhadores atuais bancam a aposentadoria dos inativos) e um de
capitalização.
Inglaterra, Nova Zelândia, Hungria e Polônia, entre
outros, possuem um componente de capitalização obrigatório em seus sistemas
híbridos. Nos latino-americanos Peru, El Salvador e República Dominicana, a
capitalização também é obrigatória. Já na Colômbia, os trabalhadores podem
escolher o sistema.
Em parte dos países, a capitalização funciona como
uma previdência complementar compulsória. Para estimular o trabalhador a poupar
em suas contas individuais, os governos têm estabelecido um teto baixo para o
benefício do pilar de repartição, o que ajuda também a reduzir os déficits
previdenciários dos países.
Na Dinamarca, por exemplo, o teto da repartição
fica ao redor de US$ 1 mil, destaca Felipe Bruno, líder da área de Previdência
da consultoria Mercer no Brasil. Se o trabalhador quiser receber mais que isso
na velhice, precisa poupar na conta própria.
Segundo levantamento da Mercer, a Dinamarca tem
hoje o segundo melhor sistema previdenciário do mundo, atrás da Holanda – ambos
os modelos são parecidos e adotam os três pilares. Na metodologia da
consultoria, os sistemas dos dois países receberam nota 80, em escala de 0 a
100. O Brasil fica com 56,5 pontos, o que o coloca na 21.ª colocação entre 34
países. Quando se considera apenas o subindicador adequação (que avalia os
benefícios da Previdência), o Brasil sobe para o 7.º lugar; mas, quando se
analisa a sustentabilidade do sistema, o País fica na 4.ª pior posição.
“As notas mais baixas costumam ser de países onde
há problemas demográficos e com o valor das aposentadorias se aproximando do
último salário do trabalhador”, diz Bruno.
Pesquisa do Banco Interamericano de Desenvolvimento
mostra que os brasileiros que se aposentam por idade costumam receber 80% dos
seus salários e os que se aposentam por tempo de contribuição, 52%. A média da
América Latina para sistemas de repartição é de 65%.
Desafios
A implementação do pilar de capitalização em um
sistema previdenciário costuma ser mais difícil quando a situação fiscal do
país é delicada, como o caso brasileiro. Isso porque parte dos recursos
arrecadados com os atuais trabalhadores deixa de ser destinada aos aposentados
e passa a migrar para contas individuais.
A transição também é mais complicada quando a taxa
de contribuição dos trabalhadores e empresas já é elevada – acima de 18% -,
segundo especialistas. A dificuldade aí decorre da necessidade de se aumentar a
contribuição para ser possível financiar a transição. Nos países em que não há
espaço para um aumento da alíquota, o governo costuma ter de reduzir os
benefícios do sistema antigo.
Em alguns países do Leste Europeu que tentaram
incluir o pilar de capitalização, a transição foi interrompida na crise de 2008
por causa desses entraves. No Brasil, as alíquotas que recaem sobre o
trabalhador variam de 8% a 11%.
Chile
Pioneiro na Previdência de capitalização, o Chile
passou a ser alvo de críticas quando a primeira geração de trabalhadores
enquadrada no modelo começou a se aposentar, nos anos 2000.
Com um grande número de trabalhadores informais,
que nunca pouparam para suas aposentadorias, o Chile passou a ter milhares de
idosos sem nenhuma fonte de renda. O problema levou o governo de Michelle
Bachelet a criar em 2008 um pilar solidário, que garante uma renda mínima mesmo
para quem nunca contribuiu. Resolvida essa questão, o país enfrenta agora outro
problema: o baixo valor do benefício dos aposentados.
Segundo pesquisa do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), os chilenos que se aposentam recebem o equivalente a 38%
dos salários de quando estavam na ativa. No Brasil, para quem se aposenta por
idade, o porcentual é de 80%.
Além do aumento da expectativa de vida, questões
relacionadas à administração das pensões explicam o atual problema
previdenciário. O economista Flávio Ataliba, que ajudou no desenvolvimento da
proposta híbrida do ex-candidato Ciro Gomes, explica que as aplicações
financeiras feitas pelos gestores de aposentadorias do Chile foram muito
pulverizadas. Diante de baixos retornos, as taxas de administrações cobradas
por esses gestores passaram a pesar mais, chegando a 20% em alguns casos.
O economista Paulo Tafner – que elaborou uma
proposta de sistema híbrido para o Brasil, ao lado do ex-presidente do Banco
Central Arminio Fraga – destaca que a concentração no mercado de
administradoras de aposentadorias também prejudicou o sistema chileno, pois
permitiu taxas de administração mais altas. “É um problema de regulação
econômica. Por isso, estamos propondo que se crie também uma (empresa de)
administração que seja pública, para pressionar as taxas para baixo e criar
concorrência.”
O economista frisa ainda que o sistema de
capitalização chileno foi uma experiência inovadora, embora muitos ressaltem
apenas aspectos ruins. “É preciso lembrar que, apesar dos muitos problemas, o
país só começou a crescer de forma sustentável depois da reforma adotada.”
Na tentativa de resolver os atuais impasses
previdenciários chilenos, o governo de centro-direita de Sebastián Piñera
encaminhou uma proposta para o Congresso para que as empresas passem a
colaborar com as aposentadorias. Hoje, apenas o trabalhador é responsável por
contribuir, com 10% de seu salário A proposta de Piñera é que os empregadores
recolham outros 4%.
Seguindo os passos do Chile, o México é outro que,
em breve, deverá enfrentar problemas com baixas aposentadorias. O país adotou
um modelo semelhante ao chileno, com quase 100% de capitalização, mas alíquotas
de contribuição inferiores às do sul-americano, além de altas taxas de
administração. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Agência Brasil
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