Em sessão sobre abuso, Renan diz que 'não há poder sem limites'

Projeto que endurece pena para autoridades está em regime de urgência.
Senado realiza nesta quarta sessão de debates sobre proposta polêmica.


Investigado pela Operação Lava Jato, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), voltou a defender nesta quarta-feira (23), o projeto de sua autoria que endurece as punições para autoridades que cometem abuso de poder.

O peemedebista disse que atual legislação sobre abuso de autoridade está “defasada” e disse que “não há poder sem limites”. A declaração foi dada durante sessão temática para debater a proposta, que conta com a participação de representantes do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministério Público Federal (MPF) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

“Os episódios [de abuso] a que me referi [...] refletem situações que acontecem diariamente e atingem principalmente o cidadão comum, justificando a iniciativa de fortalecer a disciplina legal para reprimir o abuso de autoridade. Trata-se de uma chaga incompatível com o regime democrático de proteção a liberdades civis”, disse Renan.

“Nenhum agente estado, de nenhum poder, está autorizado a usar suas atribuições legais para ofender, humilhar, agredir quem quer que seja. Todo poder oprime, seja qual for a origem desse poder, e não há poder sem limites”, acrescentou o peemedebista.

O projeto de Renan revoga a legislação sobre abuso de autoridade em vigor, que é de 1965, e cria uma nova lei, com penas mais rígidas e novos tipos de crime de abuso de autoridade.

Polêmica, a proposta tramita em regime de urgência no Senado, com previsão de votação no dia 6 de dezembro, e tem sido criticada por parlamentares e setores do Judiciário, que argumentam que o texto pode frear investigações que envolvem políticos, como a Lava Jato.

Renan também disse que foi o próprio Supremo, através de “vários” ministros, que mais pediu “aprimoramentos” da legislação sobre abuso. “Não é crível, nem sensato, imaginar que o Poder Judiciário desconfie do próprio Poder Judiciário, encarregado de aplicar lei”.

Antes mesmo do início do debate, o senador Jader Barbalho (PMDB-PA), que também é investigado pela Lava Jato e foi citado por delatores, saiu em defesa da proposta.

“E como o Congresso, em grande parte, neste momento, está sendo colocado sob suspeição de que nós queremos [com o projeto] inviabilizar a tal operação Lava Jato, eu [...] não quero sair desta manhã sem ter essa resposta. Onde [o projeto] atrapalha? Ou se quer o direito de combater o crime cometendo o crime?”, declarou Jader.

Debate
A primeira convidada a falar sobre o projeto na sessão desta quarta, foi a subprocuradora-geral da República, Luiza Frischeisen. Ela afirmou que, entre os crimes de abuso que o projeto quer criar, “vários” já estão previstos em outras leis, como o código penal, o que retira a necessidade de uma nova legislação ser aprovada.

“Quando se discute o abuso de poder, nós não estamos falando de ausência de norma. [...] Existe a lei de abuso de poder e, mais, vários dos tipos que se pretendem colocar na nova lei já existem no nosso código penal”, disse a subprocuradora.

“[Falo] do delito de denunciação caluniosa, instaurar procedimento sabendo que o fato não é verdadeiro. [...] Falo da quebra de sigilo funcional, revelar fatos sigilosos de dentro de processo, há inclusive condenações sobre isso. Falo de fazer interceptação ilícita [...], falo da coação no curso do processo, falo da fraude processual. Todos esses delitos estão colocados no código penal ou em legislação extravagante, por exemplo, a [lei] sobre interceptação telefônica”, exemplificou Luiza Frischeisen.

Também convidado para o debate, o defensor público federal Carlos Eduardo Paz defendeu a atualização da legislação sobre abuso de autoridade e afirmou que a atual é “anacrônica”.

“A Lei do Abuso de Autoridade, que data de 1965, um período extremamente já passado, tem uma feição, ao nosso ver atualmente, anacrônica a uma realidade que está posta e merece, sim, das Casas legislativas, luzes de atualização”, disse.

Representando a OAB, o conselheiro José Alberto Ribeiro Simonetti Cabral também defendeu a proposta.

“Trata-se de uma norma que visa corrigir a visão deturpada de que os cidadãos servem e devem temer o Estado, mas, sim, que o Estado e o Governo existem, em um espírito democrático, em razão, pelo e para o povo. De maneira geral, pontuo que a presente redação encontra-se de acordo com os conceitos de direitos fundamentais e de democracia, bem como visa combater desmandos da minoria de maus agentes públicos, que infelizmente terminam por macular a nobre tarefa, que é o exercício dos cargos públicos”, declarou.

'Demonização'
Relator e defensor da proposta, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) disse que o Senado quer, com a iniciativa, “cuidar da defesa do cidadão comum” e pediu o fim da “demonização” do projeto. Em sua argumentação, Requião lembrou o pedreiro Amarildo de Souza, morto por policiais militares no Rio de Janeiro, em julho de 2013.

“A aspiração maior dessa relatoria será o Amarildo, o Amarildo lá da UPP do Rio de Janeiro. E é, em nome dos Amarildos do Brasil, com uma preocupação muito menor pela questão pontual desta Operação Lava Jato – que tem que ser saudada por todos os brasileiros pela revelação que faz, e tem que ser criticada pelos excessos que comete – eu acho que nós estamos trabalhando no sentido de providenciar ao povo brasileiro algumas claras salvaguardas jurídicas aos abusos de autoridade que estão sofrendo”, disse o relator.

“O Senado vai cuidar da defesa do cidadão comum da arbitrariedade cometida por autoridades quaisquer que sejam elas. Fundamentalmente [espero] que, a partir de agora, essas redes de televisão e esses jornais parem de demonizar esta iniciativa”, acrescentou Requião.

O projeto
A proposta prevê pena de um a quatro anos de prisão, além do pagamento de multa, para delegados estaduais e federais, promotores, juízes, desembargadores e ministros de tribunais superiores que ordenarem ou executarem "captura, detenção ou prisão fora das hipóteses legais".

O texto também prevê punição para a autoridade que recolher ilegalmente alguém a uma carceragem policial e deixar de conceder liberdade provisória ao preso – com ou sem pagamento de fiança – nos casos permitidos pelo Código Penal.

A proposta também estabelece pena de um a quatro anos para a autoridade policial que constranger o preso, com violência ou ameaças, para que ele produza provas contra si mesmo ou contra terceiros.

Outros crimes de abuso de autoridade previstos pela proposta:

- Invadir, entrar ou permanecer em casas de suspeitos sem a devida autorização judicial e fora das condições estabelecidas em lei (pena de 1 a 4 anos);

- Promover interceptação telefônica ou de dados sem autorização judicial ou fora das condições estabelecidas no mandado judicial (pena de 1 a 4 anos);

- Obter provas, durante investigações, por meios ilícitos (pena de 1 a 4 anos);

- Dar início a persecução penal sem justa causa fundamentada (pena de 1 a 5 anos);

- Não fornecer cópias das investigações à defesa do investigado (pena de seis meses a 2 anos).
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