Evangelista: “Henrique Alves não convenceu a sociedade de que ele era a mudança”

“Interpretei a vitória de Micarla e de Rosalba como sinais de que havia um sentimento de mudança. Lamentavelmente, houve uma frustração tão grande no caso de Natal, como no caso do RN"

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A real situação do Estado do Rio Grande do Norte irá ser conhecida em breve, após o início do trabalho de transição entre os governos Rosalba Ciarlini (DEM) e Robinson Faria (PSD). Nesta segunda, o governador eleito irá anunciar sua equipe de transição. O coordenador já está definido: será o vice-governador eleito, Fábio Dantas (PC do B), que não pretende ocupar nenhuma secretaria de Estado.
Em entrevista ao Jornal de Hoje, o cientista político João Emanoel Evangelista faz um alerta. Segundo ele, a transição não representa a certeza de um connhecimento real da situação administrativa do Rio Grande do Norte, ao passo em que, os candidatos, durante a campanha, não apresentaram programas de governo bem delineados. Aborda, também, o problema da governabilidade, destacando o papel importante que poderá desempenhar o atual presidente, Ricardo Motta (PROS), bem como analisa o resultado das urnas sobre as perspectivas de vencidos e vencedores. Confira:
O Jornal de Hoje – Como avalia o resultado da eleição para governador do RN?
João Emanoel Evangelista – Ciência política não se faz com bola de cristal, se faz com dados, estatísticas e com projeções de cenários. Desde o início da campanha, contrariando o desejo da maioria das pessoas, eu sempre chamei a atenção que as eleições para o governo do Estado não seriam uma votação tranquila e uma vitória fácil como muitos acreditavam. Achava que Robinson tinha mais dificuldade em razão do arco de aliança que o deputado Henrique conseguiu estabelecer, além da capacidade de captação de recursos financeiros que também seria um diferencial para a sua candidatura. Desde o início eu chamava a atenção para algumas dificuldades que Henrique deveria ter e efetivamente teve ao longo da campanha. A primeira delas era a questão da rejeição. Com a questão que o acordão potencializou. A segunda era o problema exatamente de convencer a sociedade de que ele seria a mudança, ou seja, o discurso de Henrique de que ele era a mudança. Isso não convenceu a sociedade. E a terceira seria de superar a visão que você tem na política nas pequenas cidades onde você tem duas facções que disputam o poder local e, com a aliança dessas, criava dificuldade. E isso também se revelou intransponível. E eu cito aqui o caso de Pau do Ferros, como caso emblemático disso.
JH – Como analisar a derrota desse arco de aliança em torno de Henrique, apelidado por Robinson de acordão?
JEE – Primeiro eu acho que foi uma derrota histórica. Essas eleições de 2014 têm tudo para entrar para a história política do Estado, no sentido de haver uma inflexão na lógica de reprodução da política. Eu também chamei a atenção aqui para você que Robinson era um candidato que fazia parte da política tradicional e rompe com esse grupo para ser aliar ao PT e ao PCdoB. Disse que ele tinha um caminho a ser percorrido, no sentido de encontrar um discurso e uma proposta programática para o Estado. Eu acho que isso é um desafio a ser feito e em particular eu fiquei muito decepcionado com o nível do debate sobre a crise do Rio Grande do Norte durante a campanha. Ao meu ver, a FIERN faz um diagnóstico profundo das potencialidades do Estado. Nenhuma das principais candidaturas dialogou e levou a sério, por exemplo, o Mais RN que é um diagnóstico e uma definição estratégica para os caminhos do Estado do Rio Grande do Norte. Ao mesmo tempo a UFRN tem um conjunto de pesquisadores que tem um conhecimento sobre a crise do Rio Grande do Norte. Quer dizer, os dois principais candidatos, na verdade, ficaram no varejo. Por que eu digo no varejo? Ficam com a questão da segurança, com a questão da saúde, que qualquer pesquisa de qualquer instituto menos qualificado pode detectar que isso é a necessidade imediata, mas nenhum dos candidatos apresentou um projeto estratégico para o desenvolvimento do Estado. O grande desafio é esse. Se Robinson for capaz de montar uma equipe de pessoas qualificadas para que você possa exatamente fazer frente aos desafios que o Estado tem, ele poderá exatamente consolidar essa vitória dele e como um marco histórico. Porque você encerraria um ciclo de políticos que vivem na verdade a rigor da captação de recursos federais. Na verdade, eu tenho dito que os dois últimos governadores que foram capazes de planejar o Estado foram Aluízio Alves e Cortez Pereira. Os demais ficaram de captar e de fixar recursos dos programas nacionais. Não há nenhum projeto estratégico elaborado pelos governos que se passaram, com exceção, justiça se faça, com a questão das adutoras, de Garibaldi. Mas os demais ficaram com o arroz e o feijão. Não há uma visão estratégica para o Rio Grande do Norte.
JH – A eleição de Robinson significa que o RN está aposentando os políticos tradicionais, as chamadas oligarquias, em prol de novas lideranças?
JEE – Eu interpretei a vitória de Micarla e logo depois a vitória de Rosalba como sinais de que havia um sentimento de mudança na política do Estado. Lamentavelmente, houve uma frustração tão grande no caso de Natal, como no caso do Rio Grande do Norte. A eleição de Robinson agora sinaliza mais uma vez essa mudança. Porque eu acho que uma das coisas que poucos levaram em consideração é que as manifestações de junho no ano passado, que levaram milhões de pessoas, sobretudo jovens, às ruas de todas as cidades do País, isso não foi devidamente avaliado pelos políticos tradicionais. Na verdade, você tem no Brasil um desafio enorme. Qual o desafio? Fazer com que a representação política se aproxime e entre em sintonia com o sentimento da sociedade. Então na medida que isso seja capaz de ser feito, eu acho que você tem tudo para dar um passo à frente, no sentido de você encerrar uma forma de política tradicional e iniciar um novo ciclo, onde a representação política tenha mais organicidade com os reais desejos e interesses dos setores que compõem a sociedade.
JH – E o fenômeno Robério Paulino, que teve 22% dos votos em Natal, totalizando mais de 8% no Estado, como avalia?
JEE – A votação do meu colega Robério Paulino expressou exatamente isso. Robério se destacava nos debates pela qualificação das análises que ele fazia. Na verdade, você tinha as falas de Robinson, as falas de Henrique eram decepcionantes em relação à capacidade de analisar a crise estrutural do Estado. Robério se diferenciava nisso e captou esse voto da insatisfação com os dois principais candidatos, que não é pouco. Se você pega exatamente os votos nulos, um dos diferenciais das eleições no Rio Grande do Norte, e em particular Natal, foi o alto índice de votação de votos nulos, que aconteceu no primeiro e segundo turno, apesar de ter um dado importante: a abstenção reduziu-se no segundo turno. Estatisticamente, Natal teve 14%, no segundo turno teve 13%. Então, estatisticamente, no segundo turno, a tendência é haver um leve aumento de abstenção. Mas aqui em Natal foi ao contrário. Mais os dados de voto nulo se mantiveram em torno de 19%. Isso revela exatamente o quê? Que há uma carência de um perfil político mais qualificado, mais propositivo, e que expresse uma nova política para o Rio Grande do Norte.
JH – As pesquisas continuam sendo usadas como peças de marketing. Estaria na hora de dificultar este viés com os quais trabalham os candidatos?
JEE – Eu acho que as pesquisas são importantes, mas elas são muitas vezes sobre-dimensionada em sua importância. As pesquisas, dependendo da metodologia que usem, podem ser boas ferramentas de detecção de tendências de votos em um determinado momento. Mas elas não são capazes de fazer uma aferição precisa, porque, na verdade, as pesquisas vão retratar a realidade daquele momento. Como no processo eleitoral no geral você tem uma segmentação do voto do que ela é gradativa, no início do processo eleitoral tem um pequeno grupo de eleitores que se define em geral pelos candidatos majoritários, mas deixa o voto para deputado para última hora. Esse voto ao longo da campanha e, sobretudo, após o horário eleitoral na televisão, havendo uma segmentação de tendências. Então as primeiras pesquisas eu sempre olho duas coisas: primeiro o voto espontâneo e segundo o número de indecisos e de indefinidos. Isso é mais importante do que a manifestação do voto que você leva ao pesquisado a revelar. Quando você vai aproximando o dia da eleição, as pesquisas vão se aproximando porque vai havendo uma série de segmentação maior do voto. Agora, é claro que há erros muito absurdos que justificam uma certa suspeição, não metodológica, mas uma suspeição política, pelo uso das pesquisas. Eu acho que no Brasil deveríamos criar uma regulação. É temerário que você tenha pesquisa na véspera da eleição. Isso influencia o voto.
JH – Quais suas expectativas em relação ao novo governo?
JEE – Eu tenho lido as declarações do governador eleito e são no primeiro momento alentadoras. Mas fico preocupado porque o governador vai ter que compor a maioria na Assembleia. Pra isso vai ter que fazer um governo técnico e um governo político. Por que ele vai ter que ter governabilidade na Assembleia Legislativa e nós sabemos que é um jogo normal do sistema democrático representativo você ter coalizões e você ter participações, principalmente as forças políticas. Algumas inclusive que não se alinharam com os eleitos num processo de composição do governo propriamente dito e nesse aspecto eu acho que o deputado Ricardo Motta tem um papel importante e estratégico na composição da governabilidade do governador eleito Robinson Faria. A tendência da Assembleia Legislativa é que você tenha o PMDB, que tem uma bancada de 5 deputados, na oposição, o DEM deverá ficar, mas, só tem 2 representantes, e o PSB, também 2 representantes. Os demais fazem parte de uma negociação intensa, talvez complicada, que o governador Robinson vai ter que fazer para ter maioria na Assembleia Legislativa. Por outro lado, do ponto de vista programático, eu vou repetir aqui o que eu já falei antes, quer dizer, se você pega o programa de governo que foi apresentado à sociedade pelos dois principais candidatos, é de uma pobreza franciscana. Não há um diagnóstico preciso da situação do Estado. Não basta um governo de transição para você pegar os dados estatísticos, ou a situação orçamentária e fiscal. É necessário que você tenha um diagnóstico do Estado e eu acho que se o governador Robinson quiser fazer um bom governo, deveria convocar todas as forças vivas da sociedade civil norte-rio-grandense, em particular a FIERN, que tem um estudo extremamente importante, mas chamar ainda todos os pesquisadores das Universidades e do IF para fazer um grande seminário de discussão sobre a situação do Estado e, com isso, projetar linhas estratégicas de ação o próximo governo. Acho que isso é mais importante do que pensar em nomes neste momento.
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