Elio Gaspari
Diante do motim de 10 do 43 batalhões da Polícia Militar do Ceará, Sergio Moro,
o "Tigre" de Curitiba, miou em Fortaleza. Ministro da Justiça e da
Segurança Pública, Moro foi ao Ceará no sétimo dia do motim, sobrevoou
teatralmente a cidade e disse o seguinte:
"Os policiais do país inteiro, não só do Ceará, são profissionais
dedicados, que arriscam suas vidas, são profissionais que devem ser
valorizados".
Falso. No país inteiro há policiais dedicados, mas ele estava em
Fortaleza porque lá havia PMs amotinados, usando balaclavas, esvaziando
pneus de carros e ameaçando colegas que trabalhavam. Do quartel do 3º
Batalhão de Sobral partiram dois tiros que atingiram o senador Cid Gomes na sua coronelada pilotando uma retroescavadeira.
Moro já dissera que em Fortaleza havia um "movimento paredista da polícia do estado".
Falso. O que havia no Ceará era um motim de PMs. "Movimento
paredista" havia sido a greve de 20 dias dos petroleiros. Os operários
cumpriram a lei e não esvaziaram pneus de ninguém.
O ministro da Segurança Pública disse também que "não há uma situação
de absoluta desordem nas ruas". No entendimento do "Tigre" de Curitiba,
as coisas estavam "sob controle, num contexto relativamente difícil".
Miau. Desde o início do motim haviam sido assassinadas 170 pessoas no
estado, uma a cada hora.
Moro mandou a Força Nacional de Segurança para o Ceará e o presidente Jair Bolsonaro decretou uma operação de Garantia da Lei e da Ordem para o estado. Com essas medidas adequadas, o ministro da Segurança Pública podia pelo menos ter ficado calado.
Sua fala chegou ao limite da solidariedade com os amotinados. O
ministro alinhou-se com um presidente da República que exibe uma
biografia de amparo e silêncio diante dos motins do gênero. O cabo
Sabino, tido como um dos líderes da rebelião, orgulha-se de ter
organizado a primeira visita do deputado Jair Bolsonaro ao Ceará, em
2015. Ele é um exemplar do bolsochavismo.
A convocação de manifestações contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal reflete
um projeto golpista recôndito na cúpula do bolsonarismo. Essa manobra
relaciona-se com o uso da liberdade de manifestação para minar as
instituições democráticas. Já os motins de PMs são movimentos saídos da
base bolsonarista e indicam algo mais profundo. Relacionam-se com a
quebra sistemática da ordem legal e da hierarquia militar.
Os amotinados colocam a anistia como primeiro item de sua pauta.
Desde 1997 já foram concedidas anistias em pelo menos 22 estados e no
Distrito Federal. A cada motim segue-se uma anistia e a cada anistia
segue-se outro motim. Bolsonaro é o quinto presidente a fazer de conta
que esse problema não existe.
No Ministério da Justiça, Sergio Moro pode ver os retratos de seus
antecessores. Lá estão figuras como Miguel Seabra Fagundes, Milton
Campos e Mem de Sá. Cada um à sua maneira soube deixar o cargo quando
viu que as coisas iam mal. Lá estão também Francisco Campos, Luís
Antônio da Gama e Silva e Alfredo Buzaid. Estes ficaram, no remanso das
ditaduras do Estado Novo e do AI-5.
À diferença de todos eles, Moro é também ministro da Segurança Pública. Não precisava ter miado em Fortaleza.
0 Comments:
Postar um comentário