A Justiça Federal do Rio Grande do Norte foi a primeira seção a conceder os direitos decorrentes da condição de apátrida (pessoa cuja cidadania não é reconhecida por nenhum país) a um cidadão não nacional. O caso teve sua primeira decisão judicial em 2010 e o desfecho final em outubro de 2022, com o processo de trânsito em julgado, ou seja, definitivo, após análise pelo Supremo Tribunal Federal.
A decisão proferida pelo então juiz federal Edilson Pereira Nobre Júnior, hoje Presidente do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, determinou ainda que o governo brasileiro oferecesse documento de identificação a Andrimana Buyoya Habizimana e autorizou o exercício de trabalho.
Conhecido como Abin, o beneficiário apresentou sua história na abertura do ano letivo do curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, nesta segunda-feira (6). O evento contou também com presença do desembargador Edilson Nobre, que foi autor da primeira decisão, o professor Marcos Guerra, advogado do apátrida na época, e o cidadão beneficiado, Andrimana Buyoya Habizimana, que continua morando em Natal.
Além deles, estudiosos do tema da apatridia contribuíram com o debate, como o presidente do Comitê Estadual Intersetorial de Atenção aos Refugiados, Apátridas e Migrantes (Ceram-RN), advogado Thales Dantas, e o professor de Direito Internacional da UFRN Thiago Moreira. Ele explica que depois desse, já existem outros casos pela via administrativa.
“O primeiro caso foi esse e teve que ser pela via judicial. O processo partiu da Ordem dos Advogados, seccional RN, através do professor Marcos Guerra, que procurou o Núcleo de Prática Jurídica da UFRN e seus estudantes pra comporem uma comissão e formalizar o processo, entrar com petição inicial”, detalhou, ao acrescentar que o Observatório de Direito Internacional do Rio Grande do Norte (UFRN/CNPq), constituído em 2019, estuda e divulga cientificamente o caso e o reconhece como um marco do Poder Judiciário.
Thales Dantas também destaca a importância do caso: “Para nós que fazemos parte da rede nacional de acompanhamento e atenção aos refugiados, apátridas e imigrantes, representa um caso emblemático a partir das situações em que a legislação impuseram à época. O Abin participa desse momento de celebração do trânsito em julgado de uma decisão bastante acertada e que coloca a importância desse debate no sentido de inclusão dessa população e principalmente de garantir os direitos dessa população.”
Abin
Andrimana Buyoya Habizimana nasceu em Burundi, pequeno país da África, e fugiu para o Brasil, partindo da África do Sul, em um navio de carga, em 2006. Em seguida, tentou entrar em Portugal, em um voo partindo de Natal. Ao chegar lá, foi detido e encaminhado ao Brasil pela imigração portuguesa. No Brasil, foi condenado e cumpriu pena até 2008.
Para regularizar a situação, Andrimana solicitou ao Conselho Nacional para Refugiados (Conare) e ao Conselho Nacional de Imigração reconhecimento da condição de refugiado, com fundamento na perseguição de natureza étnica e genocídio promovido em seu país de origem. Mas o Ministério da Justiça negou cidadania, assim como o visto de imigrante permanente. Já integrado à nova comunidade, a última esperança foi a Justiça.
Atualmente, trabalha na Liga Norte-Rio-Grandense contra o Câncer, em Natal, e é membro do Comitê Estadual Intersetorial de Atenção aos Refugiados, Apátridas e Migrantes (Ceram-RN).
No artigo “A Judicialização da Apatridia no Brasil: Uma Análise do Caso Andrimana Buyoya Habizimana”, publicado no livro Direito Internacional em Expansão, organizado por Wagner Menezes, Thiago Medeiros destaca que a aqueles que não têm pátria muitas vezes estão em condição de hipervulnerabilidade.
“Os apátridas, uma vez que não são considerados nacionais por nenhum Estado, sofrem duras consequências e até mesmo discriminação. Diante desse contexto, muitos consideram os apátridas como ‘fantasmas do mundo’, pois ao não possuir documentos, são ignorados pelas autoridades estatais.”
A Agência Saiba Mais tentou contato com Andrimana na tarde desta segunda-feira (6), mas não obteve resposta.
Em janeiro de 2023, foi criada a Política Pública de Atenção aos Refugiados, Apátridas e Migrantes do Rio Grande do Norte (Pearam-RN), que permite mais organização e orçamento para ações em benefício dos migrantes.
Fonte: Agência Saiba Mais
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