Empresa V.tal, do BTG, recebeu autorização do Ministério das Comunicações, de Fábio Faria, para captar R$ 2,5 bi (Foto: Reprodução/YouTube - BTG Pactual)
Por Paulo Motoryn
Brasil de Fato
Um levantamento realizado pelo Brasil de Fato mostra que Fábio Faria, ex-ministro das Comunicações de Bolsonaro, manteve relações com o BTG Pactual enquanto esteve no cargo. O político assumiu neste mês, segundo diversos veículos da imprensa, um cargo na equipe de Relações Institucionais (o termo é um eufemismo para a prática de lobby).
Em 21 de dezembro de 2022, poucos dias antes do fim do governo Bolsonaro, a V.tal, uma empresa de telecomunicações comprada pelo BTG Pactual meses antes, recebeu autorização do Ministério das Comunicações, ainda chefiado por Faria, para captar até R$ 2,5 bilhões em recursos para projetos de telecomunicações na modalidade incentivada, com redução na cobrança do imposto de renda para investidores.
Depois da publicação desta reportagem, a assessoria de imprensa de Fábio Faria entrou em contato com o Brasil de Fato e alegou que o Ministério das Comunicações autorizou diversas outras operações similares para empresas de telecomunicações de 2020 a 2022. De acordo com informações publicadas no site da pasta, foram autorizados, durante o período, recursos na ordem de R$ 20 bilhões para projetos de investimentos em infraestrutura e pesquisas no setor de telecomunicações. A maior parte do valor vêm das debêntures incentivadas.
A autorização de Faria ao BTG contradiz o argumento do ex-ministro diante da Comissão de Ética Pública da Presidência da República (CEP), que o liberou, em sessão de dezembro do ano passado, da obrigatoriedade de quarentena de seis meses imposta a agentes públicos em casos de conflito de interesses. Criada por decreto presidencial em 1999, a Comissão de Ética Pública é responsável por analisar a conduta de servidores públicos federais e tem a prerrogativa de orientar autoridades em relação a situações que envolvam conflitos de interesses.
No processo de Faria na CEP, obtido na íntegra pela reportagem via Lei de Acesso à Informação (LAI), o ex-ministro afirmou que “não manteve relacionamento relevante com a proponente, em razão do exercício das funções”. O argumento foi aceito pelo colegiado e sequer mencionado no relatório do advogado paulista Francisco Bruno Neto, indicado à CEP por Bolsonaro, em 2020. Na sessão em que Faria obteve o aval, os sete membros da comissão tinham chegado ali por escolha do ex-presidente.
Com base em informações da agenda pública do ministro e em reportagens publicadas nos principais veículos de imprensa, o Brasil de Fato mapeou diversos encontros entre Faria e o BTG Pactual no exercício do cargo de ministro – alguns deles, de relevância inquestionável, como a autorização para emissão milionária de debêntures pela V.tal.
Outros episódios, como o caso em que Faria apresentou André Esteves, dono do BTG Pactual, ao empresário bilionário Elon Musk, e as participações, como palestrante, em eventos e conferências oficiais do banco também contrariam as alegações de Faria junto à CEP.
Relação
Em 13 de novembro de 2020, Faria participou de um reunião com economistas e investidores das principais instituições financeiras privadas do país, na sede do BTG Pactual, em São Paulo – hoje, o escritório do então ministro. Na ocasião, conheceu Iana Ferrão, economista e diretora-executiva da corretora, Cláudio Ferraz, economista-chefe, e Marcio Lins, Portfolio Manager. Os dois primeiros são, atualmente, seus colegas de trabalho.
O encontro ocorreu cerca de seis meses depois da posse de Faria como ministro das Comunicações e foi a primeira interação com o BTG registrada oficialmente durante o exercício do posto no governo federal. Deputado federal pelo Rio Grande do Norte e genro do empresário Sílvio Santos, ele chegou à Esplanada dos Ministério em junho de 2020.
Em fevereiro de 2022, Faria também foi um dos palestrantes convidados da CEO Conference, organizado pelo BTG Pactual. O evento é promovido pelo banco e traz aos investidores a oportunidade de “ouvir autoridades apresentando as principais tendências em economia, política e tecnologia para o país”. A atividade foi transmitida ao vivo pelos canais oficiais do banco.
André Esteves e Elon Musk
Em 20 de maio de 2022, Fábio Faria promoveu um encontro de empresários com o presidente Jair Bolsonaro e o empresário bilionário Elon Musk (Tesla, SpaceX e Starlink) no Hotel Fasano Boa Vista de Porto Feliz, em São Paulo. Cerca de 100 convidados participaram da reunião, que foi intermediada por Faria, após a Starlink procurá-lo para advogar a favor de seus interesses na Anatel.
Durante o encontro, Faria apresentou individualmente André Esteves, dono do 3º maior banco do Brasil, a Elon Musk e disse: “Esperamos que em breve seja o maior”. Outro fato que chamou a atenção foi que, à mesa do almoço, um grupo de empresários almoçou com Musk, que ficou sentado entre Esteves e Bolsonaro. De acordo com relato do jornal Valor Econômico, “com a limitação do idioma para o presidente”, foi o banqueiro quem interagiu com o bilionário.
Debênture do BTG
Em 10 de junho de 2022, durante o governo Bolsonaro, o BTG Pactual comprou da Oi o controle da sua unidade de infraestrutura de fibra óptica (V.Tal). Os termos finais do negócio apontam que o banco passou a deter até 65,2% da empresa de redes neutras, que pretende implantar uma mega infraestrutura de fibras ópticas no Brasil com mais de 400 mil quilômetros.
Em 19 de dezembro de 2022, poucos dias antes do fim do governo Bolsonaro, a V.Tal recebeu autorização do Ministério das Comunicações para captar até R$ 2,5 bilhões em recursos para projetos de telecomunicações na modalidade incentivada, com redução na cobrança do imposto de renda para investidores. A portaria com a decisão foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) em 21 de dezembro. Na mesma data, o DOU revelou o pedido de exoneração de Faria, datado de 20 de dezembro, e publicado no dia seguinte.
Com a aprovação do ministro das Comunicações, concedida um dia antes de sua demissão, os projetos listados pela V.tal se tornaram prioritários na emissão de debêntures. A portaria do ministério tem validade de cinco anos.
Com a decisão, a emissão das debêntures passou a contar com benefício fiscal em relação à captação normal no mercado, com a redução de 22% para 15% no Imposto de Renda para pessoas jurídicas e para 0% entre investidores pessoas físicas.
Evento
Um outro caso da relação Faria-BTG ocorreu em 29 de setembro de 2022, quando Faria participou do 3º AgroForum como um dos palestrantes convidados. O evento tinha como objetivo conectar empresários e investidores interessados em negócios no setor do agronegócio. No entanto, o episódio chamou a atenção porque o ex-ministro não atuava em áreas correlatas ao agronegócio.
Além disso, o evento ocorreu às vésperas do primeiro turno das eleições presidenciais de 2022, que opuseram o ex-presidente Jair Bolsonaro e o atual chefe do Executivo, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Relator
Além de ter liberado Fábio Faria da quarentena, em dezembro, a CEP também autorizou Bruno Bianco, ex-advogado-geral da União, a trabalhar no BTG Pactual. Além deles, Marcelo Sampaio, ex-ministro da Infraestrutura, também foi liberado para trabalho imediato na iniciativa privada. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, foi convidado para trabalhar na Vale.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dispensou, em portaria publicada no Diário Oficial da União no dia 7 de fevereiro, três dos sete membros da CEP. Os integrantes retirados, indicados por Bolsonaro, são: Célio Faria Júnior, ex-ministro da Secretaria de Governo; João Henrique Nascimento de Freitas, ex-assessor especial da Presidência; Fábio Prieto de Souza, desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e atual secretário de Justiça de São Paulo.
O advogado paulista Francisco Bruno Neto, relator da decisão que permitiu a ida de Fábio Faria ao BTG Pactual, segue no colegiado. Além dele, permaneceram nos postos Edson Leonardo Dalescio Tales Sá, atual presidente do grupo, e os advogados Antônio Carlos Vasconcellos Nóbrega e Edvaldo Nilo de Almeida. Todos eles foram indicados por Bolsonaro.
Na mesma decisão que retirou os três bolsonaristas, Lula nomeou três novos integrantes para a CEP: Bruno Espiñeira Lemos, advogado que compôs o grupo de Transparência, Integridade e Controle na transição de governo; Kenarik Boujikian, desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo; e Manoel Caetano Ferreira Filho, jurista e procurador aposentado do estado do Paraná.
Outro lado
O BTG Pactual não respondeu aos questionamentos feitos pelo Brasil de Fato, apesar de ter enviado uma nota de imprensa genérica. A reportagem questionou: se o ex-ministro já assumiu cargo no banco; se a autorização dada por Faria à V.tal configura uma “relação relevante” entre o banco e o então ministro; se o BTG Pactual confirma que Fábio Faria apresentou André Esteves a Elon Musk; e, por fim, se o BTG Pactual reconhece que Fábio Faria palestrou em eventos e conferências oficiais do banco enquanto ainda era ministro das Comunicações do governo de Jair Bolsonaro.
O banco respondeu apenas: “O BTG Pactual está sempre em busca dos melhores profissionais para integrar a instituição, independentemente se sua atuação prévia foi na iniciativa pública ou privada. O Banco conta hoje com mais de 5 mil profissionais e, nos casos em que houve contratação de profissional vindo da esfera pública, o que é comum não apenas no mercado financeiro, mas em todos os setores da economia, sempre o fez conforme a legislação”.
O Brasil de Fato também questionou a Comissão de Ética Pública da Presidência da República e uma de suas integrantes, a desembargadora aposentada Kenarik Boujikian, sobre a possibilidade de reconsiderar a liberação de Faria da quarentena de seis meses imposta a agentes públicos, o que permitiu que ele assumisse o cargo no BTG Pactual. A CEP e Boujikian também não responderam aos questionamentos da reportagem.
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