'O Governo sentiu o peso do recado das ruas', assegura o presidente da Femurn. Agora falta os prefeitos ouvirem as vozes roucas de seus munícipes

As manifestações de protesto que se multiplicaram pelo País, chamadas de “as vozes roucas das ruas”, alteraram, para melhor, o comportamento de autoridades do Governo Federal e o tom adotado pela presidente Dilma Roussef nas conversações com os prefeitos brasileiros. A constatação é do presidente da Federação dos Municípios do Rio Grande do Norte (Femurn), prefeito Benes Leocádio, que esteve à frente de uma delegação de mais de 70 prefeitos do Estado que participaram, na semana passada, da 16ª Marcha a Brasília em Defesa dos Municípios. Benes Leocádio conta que, pela primeira vez, um presidente da República convidou e recebeu representantes das entidades municipalistas no Palácio do Planalto e propôs reuniões trimestrais ou quadrimestrais para discutir assuntos de interesses das prefeituras.
Nessa entrevista, o presidente da Femurn fala  das expectativas quanto a esse fórum permanente com a presidente da República, sobre efeito das manifestações, a vaia que alguns prefeitos deram na presidente da República. Fala também sobre a ajuda financeira do Governo Federal aos municípios, o programa “Mais Médicos”, as soluções para o financiamento de municípios nordestinos atingidos pela seca e os rumos do movimento municipalista.

Qual é o saldo da marcha dos prefeitos a Brasília, realizada na semana passada?
Essa 16ª. Marcha dos Prefeitos a Brasília foi a continuidade de uma luta, de um processo contínuo. É tentando, conversando, buscando, marchando que se consegue algumas conquistas. Tivemos na 16ª. Marcha alguns avanços, a partir do reconhecimento por parte do Governo Federal do efeito das desonerações de IPI e do Imposto de Renda sobre a arrecadação de Estados e Municípios e a necessidade de se recompor essas perdas por meio de uma AFM, ou Apoio Financeiro aos Municípios, da ordem de 3 bilhões de reais. A gente (os prefeitos) solicitava 1% a mais no Fundo Participação dos Municípios (FPM). Não conseguimos o aumento de 1% do FPM, que seria permanente, mas o governo reconheceu as perdas e os 3 bilhões representam mais do que um aumento de 1%, que representa, hoje, acréscimo de 2,8 bilhões de reais. Mas foi um avanço que nós tivemos.
Os prefeitos queriam um aumento e o governo federal anunciou uma ajuda emergencial. Por isso, alguns prefeitos ensaiaram uma vaia na presidente, no evento em Brasília. O que de fato aconteceu?
A presidente falou a cerca de 4 a 5 mil inscritos na Marcha, incluindo entre 2.500 a 3.500 prefeitos. Havia uma expectativa muito grande de recomposição e aumento do FPM.  A presidente anunciou aumento dos recursos do PAB (Programa de Atenção Básica) e a ajuda financeira emergencial. Alguns prefeitos ficaram cobrando uma palavra dela sobre o FPM e isso foi criando um clima. A presidente rapidamente encerrou seu pronunciamento e ficou devendo uma palavra sobre o FPM, o que naturalmente provocou reações de alguns colegas prefeitos que se frustraram na expectativa que tinham, principalmente por conta da presença, na véspera, dos ministros Aloizio Mercante (Educação) e Alexandre Padilha (Educação), que foram à Marcha falar sobre assuntos das suas respectivas pastas. A frustração então foi grande porque a presidente não falou sobre FPM. O presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, falou aos prefeitos e mostrou que os R$ 3 bilhões representam mais do que 1% agora, embora saibamos que o aumento do FPM fosse uma coisa duradoura e garantia de que no ano que vem os prefeitos teriam mais e pudessem fazer um planejamento. Essa AFM é como a anunciada pelo presidente Lula em 2009. E é mais rápida do que o aumento do FPM que teria que ir à votação no Senado e na Câmara porque exige mudança na Constituição Federal.
O senhor acha que o discurso do governo, o tom dado às negociações com os municípios, sofreu efeito do clamor das ruas, das mobilizações de protesto?
Tenho quase certeza que sim. Os fatos mostram isso. Até o dia anterior não tínhamos confirmação da participação da presidente na nossa Marcha. Tivemos uma reunião na noite da terça-feira (9) com a ministra Ideli (Ideli Salvatti, das Relações Institucionais) e havia um temor do governo em participar da marcha e quanto à reação do segmento municipalista a uma participação da senhora presidente. Ela compareceu e houve mudança que eu chamaria de radical: a presidente nos convidou no dia seguinte para irmos ao Palácio do Planalto. Na tarde da quinta-feira (11), quando a marcha estava sendo encerrada, a presidente recebeu a direção da CNM e representantes das federações de cada região do País. Foi uma conversa aberta e franca e a presidente reconheceu o esforço dos municípios e disse que o governo federal precisa participar mais, com a transferência dos recursos, e não somente de obrigações como é hoje. Sabemos muito bem que tudo que é programa que o governo lança quem é o executor é o município. Quem contrata as pessoas para atuarem nos programas é o município. Quem assume as contribuições previdenciárias é o município.  E isso causa impacto nas finanças e nos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal. No Rio Grande do Norte, a maioria dos municípios já ultrapassa o limite dos 54% (gastos com pessoal) previstos na LRF. O Governo Federal, com os seus programas, nos leva a passar por isso. Com certeza, houve influência do movimento das ruas e do clima que se criou – foi a marcha com o maior número de participantes.  O governo sentiu esse peso do recado das ruas e ninguém melhor que o prefeito, o vice-prefeito, os vereadores, os secretários  que estão no dia a dia em suas cidades, para entender as reclamações e queixas de que precisamos melhorar a qualidade dos serviços públicos.
Depois desse convite inusitado para conversar no Palácio do Planalto, quais são os encaminhamentos e os desdobramentos? Vai ter consequências?
Acredito que vai ter consequências, sim. Até pela proposta da presidente que se ofereceu para que nós nos reunamos de três a quatro vezes por ano diretamente com a pessoa dela no Palácio do Planalto para discutir as políticas públicas que estejam em debate, seja no Congresso ou no Governo Federal. Ela se ofereceu para receber toda a direção da entidade (CNM) mais os presidentes das federações e associações regionais de municípios. Vamos ter uma pauta permanente com a presidente da República.  Nós tínhamos isso o Comitê de Assuntos Federativos (CAF), do qual eu participava como representante da Confederação, mas que não tinha o poder de decisão. Tratar direto com a presidente é diferente. Vamos ter um fórum permanente de debate, de discussão e de solução. Se ela não puder resolver, ninguém mais poderá.
Um dos assuntos mais discutidos da semana, durante e depois da marcha dos prefeitos, foi o anúncio, pelo Governo Federal, de medidas na área da saúde que causaram as mais diversas reações porque mexeram com médicos e os cursos de Medicina.  Como o Sr vê essas medidas e as reações dos médicos e suas entidades?
O Programa “Mais Médicos” é positivo para os municípios porque abre a perspectiva de suprir a necessidade de profissionais. A categoria médica e suas entidades vão dizer que não, que o problema é carreira, condição de trabalho, salário, do que eu discordo. Se formos ver as estatísticas de outros países vamos ver que temos menos profissionais. Em Portugal, por exemplo, temos 3 ou mais médicos por grupo de 1.000 habitantes. No Brasil, é 1,7, 1,8. Bastava isso para justificar a intenção e a iniciativa tomada pelo Governo Federal. Há uma discussão: vamos médicos estrangeiros despreparados, sem conhecer a realidade, sem estar habituado ao dia a dia do povo brasileiro? Não, O que está se tentando, no primeiro momento, é preencher essas vagas com profissionais brasileiros. Abriu uma edital esta semana. Até 25 de julho estamos esperando a inscrição de profissionais médicos formados no Brasil que queiram participar do programa. Em segundo lugar, brasileiros formados em universidades no Exterior e estejam em condições de exercer a profissão no Brasil também estão sendo convocados. Estes profissionais estão dispensados do Revalida, exigência que se fazia a um brasileiro que foi estudar no Exterior. A impressão que eu tenho é de vamos preencher as vagas com profissionais formados no País e depois com os brasileiros que foram lá fora buscar sua formação. Se isso acontecer, já é um grande passo. No Rio Grande do Norte, temos mais de 50 municípios que não tem profissionais nas suas equipes estratégicas do Saúde da Família.
E quais são os transtornos causados pelo programa?
Os municípios que se organizaram e montaram sua equipes do Saúde da Família veem o programa do Go verno Federal é também quase uma punição. Em Lajes, temos cinco equipes do PSF e gastamos 88 mil reais. Para manter uma equipe do PSF, o município recebe do governo federal 10 mil reais. E somente a um profissional médico nós pagamos 11 mil reais. E no Nordeste, o Governo federal ainda paga dois salários por ano para custear o deslocamento desses profissionais. Ao final do ano, esses profissionais vão ter 14 salários por ano. Médicos que estiverem trabalhando nas prefeituras não podem migrar para o novo programa. Nós defendemos a isonomia, que os profissionais que estão trabalhando para os municípios possam receber o incentivo do 13º e 14º salários.
Presidente, outro assunto que preocupa os prefeitos do Nordeste é a seca e a necessidade de financiamento, por parte do Governo Federal, para obras e ações que permitam a convivência com esse fenômeno. O que há de novidade nesse campo?
A seca é um fenômeno que ainda se repetir por muitas e muitas vezes. Não é a primeira nem será a última vez que acontece. O que a gente ainda vê e peca muito por isso é a falta de preparo dos governos em se organizarem para enfrentar mais um período de estiagem. Nós, do segmento municipalismo, reclamamos que as ações que vem de cima pra baixo e nem sempre na velocidade que gostaríamos. Aí estão os exemplos da distribuição de milho pela Conab e o abastecimento por parte de adutoras. É possível que o período de seca vá passar e alguns ramais de adutoras ainda não estejam sequer em funcionamento. Nos reunimos duas vezes com o ministro Fernando Bezerra (da Integração Nacional) em Natal e Maceió e defendemos que algumas ações pudessem feitas diretamente com os municípios. Durante a marcha em Brasília, nos reunimos com o Dr. Sérgio Castro, que é o secretário executivo do Ministério, que sinalizou com essa possibilidade. Para isso, ele convidou os representantes das secretarias estaduais de recursos hídricos. Ficou definido que algumas ações podem, sim, ser feitas diretamente com os municípios. E o ministro sinalizou com recursos da ordem de 100 milhões de reais para atender os nove estados do Nordeste com a construção e implantação de sistemas simplificados de abastecimento d’água, que são pequenas adutoras, perfuração de poços, instalação de dessalinizadores.  Nos reunimos durante a Marcha com as bancadas dos estados Nordeste, discutimos critérios e ficou definido o financiamento de dois sistemas por município em estado de emergência por causa da seca. No Rio Grande do Norte, são quase 150. Nossa expectativa é de que o Ministério da Integração defina isso até a próxima semana e a gente possa se reunir com todos os municípios em estado de emergência para que possam se inscrever para receber o financiamento. Estamos animados porque ficou também definido que o programa (Água para Todos) vai receber recursos do PAC que não tem maiores dificuldades para liberação de recursos e maior celeridade nos processos.
A julgar pelas suas declarações, Brasília é uma eterna negociação. O Sr está otimista quanto aos rumos do movimento municipalista?
Eu não sei se provocado pelas vozes roucas das ruas ou pelo número de participantes que tivemos em nossa Marcha, a verdade é que avançou um pouco, pelo menos na relação. Eu nunca vi em momento nenhum, nem no governo do presidente Lula, de Dilma ou mesmo de Fernando Henrique Cardoso, sermos recebidos para discutir assuntos dos municípios, a convite do presidente da República, na sede do governo. Depois, tivemos a sinalização da ajuda financeira no valor de 3 bilhões de reais, aumento do piso do PAB, que passará de 20 para 23 reais per capita/ano. E também a sinalização da presidente da República que apoiará os municípios na questão do reajuste piso salários dos professores que é outro grande problema enfrentado pelos municípios. Um problema seríssimo. Nós não conseguimos suportar aumentos de 22% como tivemos em 2011 e 2012 com crescimento zero da receita. Isso é insuportável. As dívidas explodem e a conta não fecha. A presidente reconheceu que temos de encontrar um mecanismo (índice de reajuste) que garanta um equilíbrio. Talvez o INPC. Aí a gente teria uma previsão e poderia se planejar. Do jeito que está, com o FPM com crescimento zero e o piso salarial aumentar 20, 25 por cento, é que não pode ficar. Espero que agora tenhamos alguns avanços com essa sinalização do governo para que tenhamos um debate permanente ou essa oportunidade de levarmos nossas preocupações e propostas e naquilo que for possível o governo nos atender.

Fonte: Jornal de FAto
AnteriorPagina Anterior ProximaProxima Pagina Página inicial