As eleições do ano passado mostraram que o brasileiro se cansou da chamada “velha política”. Por conta desse desejo, a Câmara teve a maior renovação da sua história. Dos 513 deputados, 243 eleitos são recém-empossados. O problema é que rostos novos nem sempre significam renovadas práticas. Além da pressão pela volta dos hábitos do velho toma lá dá cá, com cargos públicos e verbas em troca de votos, levantamento feito por ISTOÉ mostra que os deputados, na hora de usar o dinheiro público para a manutenção do mandato que exercem, ficam longe de zelar pela moralidade.
No primeiro mês da nova legislatura, alguns parlamentares usaram e abusaram da cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP), o chamado “cotão”. De saída, o recurso já soa como absurdo. Cada deputado recebe um salário de R$ 33,7 mil que deveria ser suficiente para custear suas despesas. Mas, além disso, eles têm direito a uma verba que varia de Estado para Estado, conforme a distância para Brasília. Um deputado do Acre pode gastar até R$ 44 mil. Um deputado do Distrito Federal, até R$ 30 mil. Basta a apresentação da nota fiscal. Assim, os deputados usam desse limite para bancar despesas estritamente pessoais, como cursos de inglês, bebida alcoólica (saquê) e barra de chocolate.
Chocolate importado
O deputado que tem seu curso de inglês custeado pelo contribuinte é o vice-líder do governo na Câmara, Darcísio Perondi (MDB-RS). Conforme a nota apresentada por ele, a mensalidade do curso custou R$ 1,4 mil. A escola de alto padrão está localizada em um complexo hoteleiro de Brasília, que já hospedou, entre outros, o beatle Paul McCartney. Durante o ano de 2019, Darcísio já torrou R$ 20,9 mil do “cotão”.
Somente neste início de 2019, a Câmara já gastou R$ 9,2 milhões com o ressarcimento dos parlamentares, segundo dados tabulados pela ONG Operação Política Supervisionada, que acompanha as despesas dos parlamentares. O deputado que mais se utilizou dos recursos até o momento foi Célio Silveira (PSDB-GO). Ele, sozinho, gastou R$ 72 mil. Destes valores, R$ 30 mil apenas com assessoria jurídica e mais R$ 30 mil com ações de marketing e gerenciamento de redes sociais. No caso de Célio Silveira, também houve o pagamento de R$ 5,6 mil em combustível. Um desatino.
Mas em matéria de combustível, ninguém bate a deputada Jéssica Sales (MDB-AC). Ela apresentou duas notas cobrando 2,4 mil litros em derivados de petróleo. Na primeira nota, expedida no dia 1º de fevereiro, ela gastou R$ 5,8 mil com 580 litros de gasolina e 660 litros de diesel. Na segunda, apresentou novamente um recibo de R$ 5,8 mil, que pagou 460 litros de gasolina e 745 litros de diesel. Em um período de um mês, a parlamentar informa ter gasto combustível suficiente para rodar cerca de 12 mil quilômetros com gasolina e 14 mil quilômetros com diesel. Daria para Jéssica ir e voltar a Nova York (EUA) duas vezes.
Há despesas que chamam a atenção pelo abuso. O deputado Charles Evangelista (PSL-MG) parou numa loja do free shop do Aeroporto de Brasília e comprou, por R$ 27,90, uma barra de chocolate importado de 325g. Não teve dúvida: passou a nota para a Câmara pagar. O cotão pode ser usado para o pagamento de despesas alimentares, mas uma barra de chocolate importado equivale ao famoso gasto do então ministro do Esporte Orlando Silva, que comprou uma tapioca com cartão corporativo.
A Câmara dos Deputados já gastou R$ 9,2 milhões com o pagamento de mordomias a parlamentares
Igualmente grave é o caso do deputado João Marcelo Souza (MDB-MA). No dia 2 de fevereiro, ele se alimentou por conta da Câmara num restaurante japonês, mas não dispensou o velho e bom saquê (bebida alcoólica), incluído na nota de R$ 93. Não foi o único gasto exorbitante de João Marcelo. Ele ainda alugou com o dinheiro do cotão uma pick-up marca Ranger, da Ford, no dia 11 de março, por R$ 7,6 mil. A nota fiscal, no entanto, é de uma concessionária. ISTOÉ entrou em contato com o estabelecimento que informou não fazer locação de veículos. Seria uma nota fria? Os eleitores deram o recado nas urnas de que desejam deputados mais transparentes. Mas muitos deles continuam insistindo em tratar o dinheiro público como se fosse seu.
IstoÉ
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