Brasília- O impasse entre os poderes Legislativo e Judiciário sobre a
perda de mandato dos deputados condenados na Ação Penal 470, o processo
do mensalão, dominou a entrevista coletiva do presidente da Câmara dos
Deputados, Marco Maia (PT-RS) hoje (20), convocada para divulgar balanço
dos dois anos da gestão do petista como presidente da Casa. Apesar do
Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido pela perda do mandato dos
deputados condenados, o presidente da Câmara voltou a dizer que essa é
uma prerrogativa do Parlamento.
“Os deputados são eleitos pelo povo de forma democrática, de forma
regular. Então, a cassação de mandatos sempre é uma coisa que precisa
ser muito bem discutida, debatida, muito bem compreendida porque não
pode qualquer um, ou qualquer instância cassar o mandato de um
parlamentar eleito pelo povo. Não pode o Executivo e, no Brasil, o
Executivo já fez isso em muitas oportunidades, e na minha compreensão
não pode também o Judiciário. Só quem pode cassar mandatos de
parlamentares legitimamente eleitos pelo povo, na minha compreensão, são
outros parlamentares, também legitimamente eleitos pelo povo”, disse.
Pela decisão do STF, deverão perder os mandatos os deputados João Paulo
Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT) e Valdemar Costa Neto (PR-SP).
Maia disse que não se sentiu ameaçado pelas declarações do ministro
do Supremo, Celso de Mello, que esta semana, ao dar o voto decisivo pela
perda de mandato automática dos parlamentares condenados no mensalão,
classificou de intoleráveis, inaceitáveis e incompreensíveis as
afirmações de que uma decisão nesse sentido poderia não ser cumprida pela Câmara.
Celso de Mello defendeu a responsabilização penal dos agentes públicos
que se negarem a cumprir decisões judiciais, alegando que “qualquer
autoridade pública que desrespeita a decisão do Judiciário transgride a
ordem constitucional”. O presidente da Câmara foi um dos sinalizou que a
Casa poderia não cumprir a decisão por entender que, pela Constituição,
a perda de mandato é de competência exclusiva do Parlamento.
“Não é razoável e eu nem acredito que nenhum ministro teria a
vontade ou a condição de tentar intimidar o presidente da Câmara ou o
próprio Parlamento com qualquer tipo de ameaça. Até mesmo, porque a
decisão sobre quem vira ministro do STF é do Parlamento. É o Senado que
toma essa decisão. Até porque quem cassa ministro do STF é o
Parlamento”, lembrou o presidente da Câmara.
Maia avaliou que a fala do ministro foi feita “no calor e na emoção
de estar julgando uma questão tão complexa". Para o deputado, o tom
adotado por Celso de Mello ocorreu porque o ministro estava “combalido
pela sua situação de saúde [o ministro ficou internado dias antes da
decisão final da Corte] e pela condição que ele ali estava”.
Ao ser perguntado pelos jornalistas sobre a possibilidade de dar
abrigo na Câmara aos três parlamentares condenados no julgamento do
mensalão, caso a prisão deles seja decretada pelo Supremo, Marco Maia
não descartou a possibilidade. De acordo com a legislação, a Polícia
Federal não pode entrar no Congresso Nacional.
“Uma das coisas que a Constituição previu de forma sábia é que nenhum
parlamentar pode ser preso a não ser em flagrante delito ou depois de
condenação transitada em julgado, o que significa que a Constituição é
muito clara em relação à impossibilidade da prisão de parlamentares. Nós
temos que aguardar os acontecimentos para ver qual o impacto e o que
isto vai significar do ponto de vista do posicionamento que o Parlamento
e a Câmara dos Deputados irão tomar em relação a essa situação”, disse.
Como ministro plantonista, o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa,
deve decidir nos próximos dias sobre o pedido de prisão imediadta dos
condenados, apresentado pela Procuradoria-Geral da República ontem (19).
O ministro pode rejeitar o pedido do procurador-geral, adiando para
análise do plenário em fevereiro caso entenda que a questão não é
urgente, ou acatar parcialmente ou totalmente.
Maia ponderou ainda que no futuro o Legislativo pode alterar a
Constituição para que a própria população, num determinado momento,
possa ser chamada para avaliar a conduta de um parlamentar e tenha o
direito de cassar mandatos, mesmo não sendo no processo eleitoral.