A análise compara o momento político atual com o período no qual o então candidato à presidência Bolsonaro sofreu o atentado à faca, em setembro de 2018, durante a campanha presidencial.
Confira abaixo a reportagem na íntegra:
A internação repentina de Jair Bolsonaro, apesar dos sinais externos de deterioração física dos últimos dias, fez ressurgir uma das personas prediletas do entorno do presidente: a do mártir político.
O roteiro é conhecido. No dia 6 de setembro de 2018, liderando sem favoritismo evidente a corrida presidencial, Bolsonaro foi esfaqueado no abdômen por um ex-militante do PSOL diagnosticado depois como desequilibrado.
Embora seja um erro creditar à facada a vitória do então candidato, como fez posteriormente Geraldo Alckmin (PSDB, menos de 5% no primeiro turno), ela obviamente foi um fator importante para temperar o caldo no qual Bolsonaro foi servido pelas urnas que ele insiste em dizer que foram fraudadas.
A mistura trazia a antipolítica em alta desde os protestos de 2013 e a implosão dos partidos tradicionais sob a Operação Lava Jato, mas a mitologia do bolsonarismo, se tal coisa existe, logo sacralizou aquele momento.
A camisetas que o deputado usava (amarela com “Meu partido é o Brasil” escrito em verde) com manchas de sangue virou moda virtual entre a turma, e as aparições calculadas do convalescente em lives hospitalares o deixaram ao mesmo tempo online e à margem do debate político.
Poucas horas depois que a sirene tocou no Planalto acerca da gravidade do caso do presidente, nesta quarta (14), coube novamente às redes sociais de Bolsonaro, gerenciadas pelo filho Carlos, lembrar o país do sacrifício do líder.
O texto com uma foto descamisada do presidente diz que as agruras que sofre são consequências da “da tentativa de assassinato promovida por antigo filiado ao PSOL, braço esquerdo do PT, para impedir a vitória de milhões de brasileiros que queriam mudanças para o Brasil”.
“Um atentado cruel não só contra mim, mas contra a nossa democracia”, escreveu, evocando um Luís 14 fora de época. Com Luiz Inácio Lula da Silva com quase o dobro das intenções de voto se um primeiro turno fosse hoje, segundo o Datafolha, a inclusão do PT na frase é de uma sutileza paquidérmica.
Se é óbvio, exceto para teóricos da conspiração, que Bolsonaro não inventou sua condição de saúde, sua saída de cena —aliás anunciada em rede social pelo assessor faz-tudo Max Guilherme— tem também sua utilidade mais imediata.
O presidente está em um dos momentos de maior pressão de seu mandato, simbolizados pelos entrechoques institucionais da semana passada, as revelações sobre irregularidades no Ministério da Saúde, a exposição na CPI da Covid, a debacle de imagem registrada pelo Datafolha e até pela atrapalhada mudança no Imposto de Renda.
Se não tivesse sido internado, Bolsonaro teria de encarar os chefes de outros Poderes numa reunião nesta manhã de quarta. Num encontro na segunda-feira, ele ouviu de forma suavizada do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que o centrão iria até a derrota em 2022 com ele, mas não participaria de aventuras autoritárias.
A cúpula das Forças Armadas, atordoada desde que Bolsonaro interveio no setor e, depois, obrigou o Exército a passar pano para a transgressão do general Eduardo Pazuello, tem emitido sinais constantes no mesmo sentido.
Isso reforça uma marca central do governo desde que era um amontoado de apoiadores na campanha: a mentalidade de bunker. Bolsonaro se sente, segundo interlocutores, sob cerco constante.
Para piorar, o velho temor que o presidente tem da Justiça se fez presente. Nas duas últimas semanas, ele pediu a conhecidos para tentar descobrir se o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, estaria prestes a decretar a prisão de Carlos Bolsonaro no âmbito do inquérito das fake news.
Um desses conhecidos afirmou que o presidente estava obcecado e sofrendo de insônia devido ao medo de Moraes, o mais odiado dos muito odiados ministros do Supremo no Palácio da Alvorada, que de resto ainda deu outras más notícias a Bolsonaro ao compartilhar dados com o Tribunal Superior Eleitoral.
Não é um problema novo.
Em 2017, já correndo aeroportos do país com verba parlamentar para promover sua candidatura, Bolsonaro pediu para que seu então braço direito Gustavo Bebianno procurasse ajuda para defendê-lo no caso de injúria por ter dito que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT).
O processo corria no Supremo Tribunal Federal e Bolsonaro temia ser impedido de disputar o pleito no ano seguinte. Bebianno, que viria a ser ministro da Secretaria-Geral da Presidência, demitido do cargo e desafeto do ex-chefe antes de morrer do coração em 2020, intermediou contatos com o empresário Paulo Marinho.
Hoje aliado do rival de Bolsonaro João Doria (PSDB-SP), Marinho ajudou. Bolsonaro então passou a visitá-lo, sempre acompanhado por um guarda-costas que deixou más lembranças aos presentes nos encontros. Numa ocasião, segundo o relato de Bebianno, o então candidato disse que temia ver algum de seus filhos presos e que precisava de aconselhamento.
O resto é história em tempo real, com as revelações que ainda hoje emergem do caso das rachadinhas e das relações do clã com as milícias do Rio mostram.
Com informações de FolhaPress
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