A ordem natural das coisas possui força insuplantável, norteando a vida
em sociedade. Prevalecente o bom senso, conclui-se que servidor ou
agente condenado por formação de quadrilha, corrupção, peculato ou
lavagem de dinheiro há de ser afastado da administração pública.
Em um Estado democrático de Direito, imperam as normas legais, a que
todos, indistintamente, submetem-se. O Código Penal versa os efeitos da
condenação, estando prevista, em certas situações, a perda do cargo,
função pública ou mandato eletivo -artigo 92. Isso ocorre quando
aplicada pena restritiva da liberdade por tempo igual ou superior a um
ano, nos crimes praticados em violação de dever para com a administração
pública. Os direitos políticos ficam suspensos ante condenação
criminal, enquanto durarem seus efeitos -artigo 15, inciso I, da
Constituição Federal.
Considerando o sistema como um grande todo e o primado do Judiciário,
fica afastada a possibilidade de quem quer que seja desconhecer ou mesmo
flexibilizar decisão condenatória. É comum dizer-se que o teor não se
discute. Deve apenas ser cumprido.
O Supremo, no julgamento da ação penal nº 470, concluiu no sentido da
perda dos mandatos dos parlamentares condenados -e estes o foram,
repita-se, por formação de quadrilha, corrupção passiva, peculato ou
lavagem de dinheiro-, declarando-os inabilitados para o exercício de
função pública. Entre as interpretações possíveis, incumbe relativizar a
verbal, a gramatical, que, conduzindo à visão primeira, seduz.
A sistemática e o objetivo das normas são inafastáveis. Por isso, o
artigo 55 da Carta de 1988, mais precisamente o § 2º nele contido, ao
revelar que, nos casos de inobservância às proibições versadas no artigo
anterior, de procedimento incompatível com o decoro parlamentar e de
condenação criminal, a perda do mandato pressupõe votação secreta e
maioria absoluta assim definindo, não pode ser levado às últimas
consequências, mesmo porque o parágrafo que se segue, a alcançar perda
do mandato assentada pela Justiça Eleitoral, versa não a deliberação,
mas a simples declaração pela Mesa da Casa respectiva.
O sistema não fecha se admitido o tratamento diferenciado. Depois de
selada a culpa de parlamentares condenados, com imposição da perda dos
mandatos, quando não mais for possível a interposição de recurso contra o
pronunciamento do Supremo -respeitando-se, nesse meio-tempo, o
princípio constitucional da não culpabilidade-, o efeito será único: o
afastamento definitivo do exercício dos mandatos.
A toda evidência, a decisão proferida não se mostra, sob o ângulo da
eficácia, condicionada ao endosso de órgão de outro Poder. Alfim, o
Supremo, guarda maior da cidadania, da Constituição da República, o qual
possui a última palavra sobre o direito posto, limitou-se a observar a
ordem jurídica.
No mais, os ares democráticos direcionaram ao pleno funcionamento das
instituições, sendo impensável a resistência ao conteúdo de título
executivo criminal condenatório. Cientificada a Câmara dos Deputados do
denominado trânsito em julgado da decisão -do não cabimento de qualquer
recurso-, a providência natural situa-se no campo da forma: a declaração
da perda dos mandatos, convocando-se, para as cadeiras vagas, os
substitutos diplomados pela Justiça Eleitoral.
MARCO AURÉLIO MELLO, 66, é ministro do Supremo Tribunal Federal,
vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral e presidente do Instituto
Metropolitano de Altos Estudos (Imae)
Fonte: Uol