Professora Céli Pinto. Foto: Reprodução
“No caso da vitória de [Jair] Bolsonaro, a democracia a curto, e possivelmente médio prazo, não tem futuro”, afirmou a historiadora Céli Pinto durante debate cujo tema era “Eleições brasileiras em 2022: o futuro da democracia”.
“Não tem futuro porque está explícito no projeto bolsonarista a ‘hungrialização’ do Brasil”, completou a professora emérita da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
“Hungrialização” é uma referência ao processo vivido pela Hungria desde que o ultraconservador Viktor Orbán se tornou primeiro-ministro em 2010, conduzindo no país um processo de corrosão da democracia sem nunca chegar a deslanchar um golpe de Estado clássico.
O caso húngaro é estudado por pensadores tão diferentes quanto Steven Levitsky e Francis Fukuyama, entre outros, que analisam como Orbán e vários autocratas modernos usam os próprios canais democráticos para implantar um governo autoritário.
A receita praticada mundo afora envolve, entre outros caminhos, a interferência na forma de nomear os ministros da mais alta corte judicial do país. No Brasil, Bolsonaro (PL) e seu atual vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos), falaram em discutir reformas no Supremo Tribunal Federal depois da eleição.
Mas a professora Céli Pinto não se disse preocupada apenas com o futuro. Para ela, o Brasil experimentou durante o governo Bolsonaro uma série de ações antidemocráticas que trazem o problema para o presente.
“Pensar em ameaça à democracia neste momento é ser otimista. A democracia foi desidratada ao longo dos anos do governo Bolsonaro. O que temos é um resto de democracia”, afirmou no 46º encontro da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais).
Seu principal foco de atenção não é o STF (Supremo Tribunal Federal), contudo, e sim o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). De acordo com a historiadora, as constantes declarações sobre a lisura das eleições feita pelos presidentes da corte eleitoral nos últimos anos já mostram que há alguma coisa errada.
Para a historiadora, os ataques reiterados ao TSE, bem como as inúmeras medidas que o governo Bolsonaro adotou na contramão da legislação eleitoral, dão a medida da fragilidade democrática.
Ao longo desses anos, segundo a historiadora, pesaram dois fatores: “A politização da Operação Lava Jato, que eu chamaria de lava-jatismo. Isso se concretiza na espetacularização promovida pela mídia e pelos protagonistas do sistema Judiciário e do Ministério Público”.
Em sua exposição, a historiadora apontou alguns aspectos que, na sua visão, confirmam a deterioração institucional sofrida pelo país, mas foi o sociólogo Benicio Viero Schmidt, professor aposentado da UnB (Universidade de Brasília) quem fez o inventário completo.
Citou, como exemplo, o esvaziamento da Polícia Federal, do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Lembrou que o procurador-geral da República foi nomeado fora da lista tríplice, observou que o STF é alvo de investidas constantes e mencionou casos de assédio a servidores do Ibama, do Ministério da Educação e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Sua lista seguiu mais longe, mas seu ponto era este: “As interferências do governo Bolsonaro que terão de ser corrigidas em função da conjuntura que se inicia em janeiro de 2023 pode exigir inclusive a formação de verdadeiros comitês de salvação nacional”.
Agora RN
0 Comments:
Postar um comentário