Entrevista com Hadja Rayanne, juíza potiguar eleita para
umas das vice-presidências da Associação dos Magistrados Brasileiros
(AMB)
A Magistratura é um dos melhores espaços na esfera pública para a
prestação de serviço à população, contribuindo decisivamente para a
melhoria da sociedade. Esta é a visão de uma profissional da carreira
jurídica com 17 anos de atuação. Passou pelas comarcas de Governador
Dix-sept Rosado, Angicos e Mossoró e hoje, é responsável pelo 5º Juizado
Especial Cível da capital. Conhecida pela atuação à frente da
Associação dos Magistrados do Rio Grande do Norte (Amarn), na qual ainda
tem um ano de mandato pela frente, a juíza Hadja Rayanne Holanda de
Alencar, prepara-se para assumir outro desafio. Na terça-feira (17),
assume a vice-presidência de Prerrogativas Institucionais da Associação
dos Magistrados Brasileiros (AMB), em solenidade em Brasília, ao lado da
nova diretoria da entidade, que será administrada pelo juiz João
Ricardo Santos Costa (TJRS), assim como ela magistrado de primeiro grau.
Hadja deseja ver nos próximos anos a Justiça brasileira se tornar mais
democrática, privilegiando as decisões de primeira instância, com menos
recursos e mais objetiva.
Como a senhora enxerga esse novo desafio na representação da carreira jurídica?
Hadja – A minha área de atuação é bastante estratégica dentro da
AMB. Hoje, nós temos relatos de incursões contra as prerrogativas dos
magistrados no país inteiro. Precisamos trabalhar isso, de uma maneira
consistente, continuada e inteligente. Minhas expectativas são as
melhores possíveis, justamente, em virtude do grupo que conseguimos
agregar nessa eleição, inciando como um movimento, depois na formação de
uma chapa que conseguiu ganhar com mais de 1.800 votos de diferença. As
propostas que foram feitas se agregam às necessidades da Magistratura.
Existe uma nota distintiva neste grupo, porque além de querermos
trabalhar quanto as prerrogativas também queremos atuar também em
relação a aspectos do próprio Poder Judiciário. A gente compreende, que
hoje, a nossa situação institucional está diretamente ligada ao serviço
que a gente oferece. Enquanto não conseguirmos oferecer um bom serviço
não vamos ter a respeitabilidade social que vai nos dar a condição de
trabalhar bem.
O juiz brasileiro tem evoluído como profissional, tendo que julgar,
ser gestor e ainda realizar ações de responsabilidade social?
Ele evoluiu a duras penas porque nos entramos na Magistratura sem o
preparo para esta feição multifacetada que é ser juiz. Antigamente,
quando a gente ingressava na Magistratura, a primeira orientação era
“não fale com a imprensa”, pois o juiz não devia falar com a imprensa.
Hoje, quando vivemos a era da transparência, Accountability como
chamam os americanos, o juiz tem que prestar contas do seu serviço. Ele
não pode falar especificamente sobre um processo em que ele vai decidir,
mas precisa se comunicar com a população. E a imprensa é esse veículo.
Em que pese ainda haver resistência, de que deve ser mais focada, mais
discreta, tem crescido o movimento de que a Magistratura tem de se
envolver em outras searas que não apenas o julgamento de feitos. O juiz
precisa estar preparado para essas outras demandas que a sociedade tem
exigido. Inclusive, nós temos magistrados que atuam ativamente nas
mídias sociais, que têm blogs. Vejo isso como uma coisa positiva e como
um risco também. Porque nem todo magistrado vai estar preparado para
falar com a imprensa, nem todo magistrado vai estar preparado para dar
um choque de gestão em sua unidade judiciária. Para isso, nós
precisamos, realmente, estar qualificados. Essa é uma preocupação muito
grande, não só a mudança de mentalidade, que precisa existir, mas também
aliar isso à qualificação para que a Magistratura esteja pronta para
esses desafios.
Como a senhora acha que a população brasileira enxerga o juiz e o seu trabalho?
No geral, a gente percebe a percepção como negativa. Eu não tenho
nenhum medo de informar isso. Por outro lado, a gente avalia isso de uma
maneira objetiva. Nunca se demandou tanto no Brasil, nunca! Essa
demanda já alcançou mais de 90 milhões de processos, atualmente. Isso é
uma coisa em nível mundial, absolutamente assustadora. Hoje, existe um
binômio em que o jurisdicionado, a população, se acha mal atendido, que
demora, que deveria ser mais rápida. Por outro lado, compreende a
Justiça como absolutamente imprescindível e se assim não fosse, ele não
demandaria. Precisamos trabalhar esse binômio porque essa
imprescindibilidade deveria nos dar um prestígio social, que nós não
estamos conseguindo ter porque o serviço que nós prestamos não está em
conformidade com o que a sociedade deseja. Esse fosso é que hoje precisa
ser superado. A população precisa ficar ciente de uma circunstância : a
cada dia que se passar a Justiça vai ser cada vez mais imprescindível.
Seja na seara pré-processual seja na seara pós-processual; seja
trabalhando em uma Justiça restaurativa; seja numa conciliação, seja
trabalhando uma mediação; seja trabalhando o próprio processo, seja
atuando para a eficácia da própria medida que foi dada. De uma forma ou
de outra, ela vai estar cada dia mais presente na vida do cidadão.
A nova diretoria da AMB pretende atuar para dar maior celeridade ao
processo no Brasil, repleto de recursos, com leis processuais mais
modernas?
Não se pode falar em mudança no Poder Judiciário sem tratar da questão
do excesso de recursos. Nós somos o país no mundo com o maior número de
recursos. Enquanto nós não tivermos as decisões de primeira instância
mais valorizadas, nós não teremos uma Magistratura valorizada. O que
esgarça o processo no tempo não é tanto o julgamento, a sentença, são na
verdade os diversos recursos utilizados para procrastinar a decisão.
Enquanto essa paranoia recursal, que se instalou no Estado brasileiro,
não for extinta, nenhuma mudança no Poder Judiciário vai surtir efeito.
Não adianta criar súmula vinculante, pois a tendência é sempre
privilegiar as decisões superiores em vez de se dar eficácia da decisão
de primeira instância, muita mais rápida. Situação difícil de ser
enfrentada, mas que precisa ser resolvida.
Quais avanços a senhora gostaria de ver na Justiça brasileira nos próximos anos?
Gostaria de ver uma Justiça mais democrática, onde nós juízes e
desembargadores estivéssemos inseridos dentro do contexto de
administração da Justiça. De assistir uma Justiça que privilegiasse
decisões de primeiro grau e que tivesse uma quantidade menor de recursos
para que essas sentenças ganhassem uma eficácia real. Uma administração
da Justiça mais objetiva, com recursos distribuídos de forma mais
objetiva, com base em estudos, em números, em critérios efetivos.
Gostaria de assistir uma Justiça mais respeitada e mais próxima do
cidadão. Que o juiz tenha a capacidade de se dirigir de uma maneira mais
próxima ao cidadão e que este perceba a imprescindibilidade do trabalho
do juiz na vida dele. Esse é a Justiça que eu sonho para os próximos
anos e quem viver verá.
Fonte: Portal TJ/RN
DESTE BLOG: É PRECISO TAMBÉM QUE OS DEMAIS SERVIDORES DA JUSTIÇA CONTRIBUAM PARA REDUZIR ESSA DEMANDA.