O Brasil é um dos
países que, por falta de suficiente transparência fiscal, ficaram de fora do
estudo dos economistas Anthony Atkinson e Thomas
Piketty para a ONU, que fornece uma perspectiva global sobre a
concentração de renda no topo da distribuição, a partir dos dados das
declarações do imposto de renda.
Felizmente, em 2015, a Receita
Federal do Brasil voltou a disponibilizar, à sociedade, informações mais
detalhadas das declarações do imposto de renda, que permitem, por exemplo,
identificar os brasileiros no topo da pirâmide social, aproximadamente, 71 mil
pessoas que correspondem ao meio milésimo mais rico (0,05 por cento da
população adulta) e ganharam, em média, R$ 4,1 milhões em 2013 ou EU 1,5
milhão.
Com isso, o Brasil passará, em breve,
a fazer parte dos estudos internacionais comparativos sobre concentração de
renda.
Os dados já analisados, do período de
2007 a 2013, possibilitam traçar um quadro preliminar, provavelmente sem
paralelos em termos de benefícios tributários e concentração de renda no topo
da pirâmide social:
·
A concentração de renda brasileira supera qualquer outro país com
informações disponíveis.
·
O décimo mais rico apropria-se de metade da renda das famílias
brasileiras (52 por cento), o centésimo mais rico algo próximo a um quarto (23,2
por cento) e o milésimo mais rico chega a um décimo (10,6 por cento), índices
que ultrapassam os limites considerados toleráveis para as sociedades
democráticas, segundo Piketty (2014).
·
Mas o que realmente chama a atenção é que o meio milésimo mais rico
concentra 8,5 por cento da renda, nível superior ao da Colômbia (5,4 por
cento), que é um país extremamente desigual, quase três vezes maior que o do
Uruguai (3,3 por cento) e o do Reino Unido (3,4 por cento) e cinco vezes maior
que o da Noruega (1,7 por cento).
·
Os brasileiros super-ricos pagam menos imposto, em proporção da sua
renda, que um cidadão típico de classe média alta, sobretudo o assalariado, o
que viola o princípio da progressividade tributária, segundo o qual o nível de
tributação deve crescer com a renda.
·
Cerca de dois terços da renda dos super-ricos (meio milésimo da
população) está isenta de qualquer incidência tributária, proporção superior a
qualquer outra faixa de rendimentos.
·
O resultado é que a alíquota efetiva média paga pelos super-ricos chega
a apenas 7 por cento, enquanto a média nos estratos intermediários dos
declarantes do imposto de renda chega a 12 por cento.
·
Essa distorção deve-se, principalmente, a uma peculiaridade da
legislação brasileira: a isenção de lucros e dividendos distribuídos pelas
empresas a seus sócios e acionistas.
·
Dos 71 mil brasileiros super-ricos, cerca de 50 mil receberam dividendos
em 2013 e não pagaram qualquer imposto por eles.
·
Além disso, beneficiaram-se de uma baixa tributação sobre ganhos
financeiros, que no Brasil varia entre 15 por cento e 20 por cento, enquanto os
salários estão sujeitos a um imposto progressivo, cuja alíquota máxima de 27,5
por cento atinge níveis muito moderados de renda (acima de R$ 4,7 mil de renda
mensal ou EU 1,3 mil em 2015).
·
O potencial distributivo do imposto de renda no Brasil, medido em termos
de queda no índice de Gini, é menor que nos países mais desenvolvidos da
América Latina, como México, Uruguai, Argentina e Chile, e bem inferior ao dos
países europeus.
·
Em resumo, os dados revelam que o Brasil é um
país de extrema desigualdade e também um paraíso tributário para os
super-ricos, combinando baixo nível de tributação sobre aplicações financeiras,
uma das mais elevadas taxas de juros do mundo e uma prática pouco comum de isentar
a distribuição de dividendos de imposto de renda na pessoa física
A justificativa para tal isenção é
evitar que o lucro, já tributado ao nível da empresa, seja novamente taxado
quando se converte em renda pessoal.
Entre os 34 países da OCDE, que reúne
economias desenvolvidas e algumas em desenvolvimento que aceitam os princípios
da democracia representativa e da economia de livre mercado, apenas três
isentavam os dividendos até 2010.
México retomou a taxação em 2014 e
República Eslováquia instituiu em 2011 uma contribuição social para financiar a
saúde.
Restou somente a Estônia, pequeno
país que adotou uma das reformas pró-mercado mais radicais do mundo, após o fim
do domínio soviético nos anos de 1990, e que, como o Brasil, concede total
isenção tributária à principal fonte de renda dos mais ricos.
Em média, a tributação total do lucro
(somando pessoa jurídica e pessoa física) chega a 48 por cento nos países da
OCDE (sendo 64 por cento na França, 48 por cento na Alemanha e 57 por cento nos
Estados Unidos).
No Brasil, com as isenções de
dividendos e outros benefícios tributários, essa taxa cai abaixo de 30 por
cento.
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