Dorgival Dantas conta sua história de superação

Em pé, com o corpo miúdo quase desaparecendo por trás daquela tribuna, Dorgival Dantas estava visivelmente animado. “Eu sempre quis falar em um negócio desses. Parece coisa de Presidente da República, não é mesmo?”, brincou o cantor, falando para um público que lembrava a ele próprio, antes de se tornar um dos compositores de forró requisitados de todo o país.
Os jovens que estavam na plateia, formada por cerca de 80 crianças e adolescentes de unidades de acolhimento da Prefeitura de Natal, ouviam tudo com atenção. Em parte por admiração à figura de Dorgival, de quem já haviam escutado algumas músicas no rádio, mas principalmente porque o cantor, assim como eles, também teve uma infância complicada.
Nascido no pequeno município de Olho-d’Água do Borges, no interior potiguar, muitas vezes passou fome, sem ter nada ou quase nada para comer por dias a fio. O cantor lembra que, toda noite, tomava uma garapa (um copo de água misturada com açúcar) apenas para não ir dormir de barriga vazia.
“Uma vez, eu estava com insônia. Não conseguia pegar no sono de jeito nenhum. Olhei para minha mãe e disse: ‘Mãe, já sei por que não estou conseguindo dormir! É que eu não tomei a minha garapa hoje’”, recorda Dorgival Dantas. 
Naquela oportunidade, porém, o açúcar tinha acabado e não havia nada para pôr dentro da água. “Pedi pra ela me trazer assim mesmo. Tomei o copo de água e dormi. Pra você ver como é o psicológico, eu só precisava tomar a minha garapa, mesmo que fosse sem açúcar”, conta.
O relato de vida do cantor e compositor potiguar, que perdeu sete irmãos para a fome, foi o que motivou o convite feito pela Coordenadoria da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) para conversar com crianças e adolescentes em situação de risco, na última quarta-feira (30). Muitos dos jovens que estavam na palestra encontravam-se separados dos pais por força de medidas protetivas.
O próprio Dorgival Dantas passou por um episódio semelhante quando tinha 16 anos de idade. Na época, ele tocava sanfona (instrumento que aprendeu com o pai) em uma casa de espetáculos em Natal. A entrada de menores era proibida, mas isso não impedia o garoto de animar o público nos bailes que aconteciam no “Pedacinho do Céu”, como se chamava o estabelecimento.
Certa vez, um homem se aproximou e disse: “Você toca muito bem! Qual é a sua idade?”. O menino respondeu, mas ele não demonstrou surpresa. Com um gesto, pediu pra que Dorgival descesse do palco e anunciou: “Sou do Juizado de Menores. Você não pode ficar aqui”.
Contra a vontade, o garoto foi levado para um abrigo público, de onde só saiu depois que seus pais chegaram para buscá-lo e assinaram um termo de responsabilidade.
O menino nunca foi de recusar trabalho, mesmo que isso o colocasse em uma situa-ção difícil. Na palestra, Dorgival lembra de uma vez quando um senhor de idade bateu à porta procurando por seu pai, que era barbeiro. 
“Ele queria fazer a barba, mas meu pai não estava, tinha viajado. Eu disse então que fazia e minha mãe gritou lá da cozinha: ‘Dorgival, você está doido? Desde quando sabe tirar barba?’. Respondi que, com a fome que eu estava, aprendia a fazer qualquer coisa ligeirinho”, conta.
Com a navalha afiada, ele aparou a barba do sujeito, que elogiou o trabalho do jovem aprendiz, mas não lhe pagou. 
“Eu já tinha mandado a minha mãe ferver a água que eu ia comprar café e pão com o dinheiro do pagamento, mas ele disse: ‘Diga a seu pai que depois acerto com ele’. Naquele instante, eu decidi que seria qualquer coisa, menos barbeiro”, ri, apesar de tudo.
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