Método Paulo Freire de alfabetização completa 50 anos neste mês.
Primeira turma teve 380 alunos de Angicos, dos quais 300 se formaram.
Paulo Souza, aluno da primeira turma do método Paulo Freire, se emociona ao lembrar das aulas
(Foto: Fernanda Zauli/G1)
(Foto: Fernanda Zauli/G1)
Éder Jofre é professor doutor no método Paulo
Freire (Foto: Fernanda Zauli/G1)
Freire (Foto: Fernanda Zauli/G1)
A experiência, inédita no Brasil, tinha uma meta ousada: alfabetizar
adultos em 40 horas. Mas não era só isso. De acordo com o professor
doutor Éder Jofre, Paulo Freire pretendia despertar o ser político que
deve ser sujeito de direito. "A palavra 'tijolo' fez parte do universo
vocabular trabalhado em Angicos. Era uma palavra que fazia parte do
cotidiano dessas pessoas. Mas não era só ensinar a escrever tijolo,
tinha também a questão social e política. Era questionado: você trabalha
na construção de casas, mas você tem uma casa própria? Por que não tem?
Levava o cidadão a pensar nessas questões", explica Éder Jofre, que é
doutor no método Paulo Freire.
Paulo Souza lembra que naquela época, quando tinha 20 anos, já não
tinha esperanças de aprender a ler, até que chegou na cidade a notícia
do curso de alfabetização de adultos. "Eu não pensei duas vezes. Fui na
hora." Ele conta que trabalhava o dia todo e seguia para as aulas que
aconteciam em uma casa no centro da cidade. "Naquela época aqui era só
mato. Depois do trabalho a gente seguia para a aula com o caderninho
debaixo do braço. Aquilo mudou a minha vida, porque quando a gente não
sabe ler a gente não participa de nada, a gente não é ninguém", diz,
emocionado.
Maria Eneide se tornou professora após passar pelo curso de alfabetização (Foto: Fernanda Zauli/G1)
A partir dali eu tive certeza que seria professora"
Maria Eneide
Maria Eneide também participou das aulas de alfabetização. Com 6 anos
de idade, ela não era o público alvo do curso, mas acompanhava os pais
porque não tinha com quem ficar em casa. "Meu pai e minha mãe estavam no
curso, então eu ia com eles. Eu aprendi a ler no colo do meu pai e
quando ele não podia ir eu acompanhava minha mãe e depois ensinava meu
pai", lembra. A experiência foi determinante na vida de Eneide. "A
partir dali eu tive certeza de que seria professora e hoje dou aula para
alunos da educação infantil", diz.
Aos 83 anos de idade, Idália Marrocos da Silva diz que se lembra 'como
se fosse hoje' das aulas. "Nós íamos para uma casa e tínhamos aula na
sala. Naquela época essas aulas aconteciam em todo lugar: na igreja, na
delegacia, nas casas das pessoas. Muita gente aprendeu a ler com essas
aulas", lembra. De sorriso fácil e boa memória. Dona Idália lembra que
muita gente tinha medo de ir às aulas porque na época diziam que Paulo
Freire era comunista e que os alunos do curso seriam perseguidos. "Muita
gente tinha medo. Minha mãe não queria que eu fosse, mas essas aulas
mobilizaram a cidade inteira. Foi quase uma revolução e eu queria fazer
parte", conta, na cadeira de balanço, em uma casa simples onde mora
sozinha.
Idália diz que lembra das aulas 'como se fosse hoje' (Foto: Fernanda Zauli/G1)
Paulo Freire desenvolveu um método de alfabetização baseado nas experiências de vida das pessoas. Em vez de buscar a alfabetização por meio de cartilhas e ensinar, por exemplo, “o boi baba” e “vovó viu a uva”, ele trabalhava as chamadas “palavras geradoras” a partir da realidade do cidadão. Por exemplo, um trabalhador de fábrica podia aprender “tijolo”, “cimento”, um agricultor aprenderia “cana”, “enxada”, “terra”, “colheita” etc. A partir da decodificação fonética dessas palavras, ia se construindo novas palavras e ampliando o repertório.
O método Paulo Freire estimula a alfabetização dos adultos mediante a discussão de suas experiências de vida entre si, através de palavras presentes na realidade dos alunos, que são decodificadas para a aquisição da palavra escrita e da compreensão do mundo.
“A concepção freiriana procura explicitar que não há conhecimento pronto e acabado. Ele está sempre em construção”, explica Sonia Couto Souza Feitosa, coordenadora do Centro de Referência Paulo Freire (CRPF), entidade mantida pelo Instituto Paulo Freire. “Aprendemos ao longo da vida e a partir das experiências anteriores, o que faz cair por terra a tese de que alguém está totalmente pronto para ensinar e alguém está “totalmente” pronto para receber esse conhecimento, como uma transferência bancária. Esse caráter político, libertador, conscientizador é o diferencial da metodologia de Paulo Freire dos demais métodos de alfabetização.”
O método Paulo Freire foi desenvolvido no início dos anos 1960 no
Nordeste, onde havia um grande número de trabalhadores rurais
analfabetos e sem acesso à escola, formando um grande contingente de
excluídos da participação social. Com o golpe militar de 1964, Paulo
Freire foi preso e exilado, e seu trabalho interrompido.
“Já naquela época Paulo Freire defendia um conceito de alfabetização
para além da decodificação dos códigos linguísticos, ou seja, não basta
apenas saber ler e escrever, mas fazer uso social e político desse
conhecimento na vida cotidiana”, explica Sonia, que é licenciada em
Letras e Pedagogia, com mestrado e doutorado pela Faculdade de Educação
da USP.
Desde seus primeiros escritos, Paulo Freire considerou a escola muito
mais do que as quatro paredes da sala de aula. Apesar de aplicado entre
jovens e adultos, o método também pode ajudar na alfabetização e
letramento de crianças.
O método Paulo Freire é dividido em três etapas. Na etapa de
Investigação, aluno e professor buscam, no universo vocabular do aluno e
da sociedade onde ele vive, as palavras e temas centrais de sua
biografia. Na segunda etapa, a de tematização, eles codificam e
decodificam esses temas, buscando o seu significado social, tomando
assim consciência do mundo vivido. E no final, a etapa de
problematização, aluno e professor buscam superar uma primeira visão
mágica por uma visão crítica do mundo, partindo para a transformação do
contexto vivido.
Nascido no Recife, Freire ganhou 41 títulos de doutor honoris causa de
universidades como Harvard, Cambridge e Oxford. Ele morreu em maio de
1997, e no ano passado foi declarado patrono da educação brasileira. “O
legado que ele nos deixa, entre tantas contribuições, é de esperança”,
destaca a coordenadora. “Um legado de entender a educação como espaço de
transformação social, que nos ajuda não só a ler a história, mas sermos
também escritores da história.”