As dúvidas do novo Papa

Por Carlos Chagas

                                                                  Aceitar o uso de preservativos,  bem como entender que o sexo não existe apenas para a procriação, mas para o prazer; rejeitar o celibato obrigatório como valor  contrário à natureza e estímulo  à pedofilia;  admitir o homossexualismo como inerente ao genes, jamais como doença ou inclinação perversa; concordar com o aborto quanto se trata de salvar a vida da mãe ou no caso da inviabilidade de o bebê sobreviver depois do nascimento; perceber que o avanço científico do uso de células-tronco beneficiará a Humanidade;  apoiar   o divórcio como solução para promover a felicidade de cônjuges cujo     casamento  não deu certo; estender o sacerdócio às mulheres dispostas e preparadas para exerce-lo.
                                                                  Essas seriam algumas  mudanças imprescindíveis para a Igreja Católica sobreviver e  atualizar-se  com o mundo,   tendo em vista a adesão da imensa maioria da cristandade a tamanhas  evidências.
                                                                  Mas não será apenas pela aceitação de tais conquistas da  modernidade que o Vaticano abrirá suas portas para  mais dois mil anos de existência.  A discussão de questões menos pertinentes ao quotidiano e muito mais profundas para a tentativa de compreensão da vida impõem-se como obrigação do conclave que reúne os cardeais para a escolha do novo Papa.
                                                                  Para começar, urge voltar ao monoteísmo. Nada de mistérios pueris  calcados na existência de um deus e três pessoas. Se existe a inteligência criadora, o Pai, o início de  todas as coisas, não haverá que atribuir-lhe penduricalhos como o Filho, nem o Espírito Santo, por mais que se  reconheça em Jesus Cristo uma das mais perfeitas criaturas jamais existentes  no planeta. Nesse universo em que os telescópios e os satélites espaciais  desmoralizam os dogmas, demonstrando que a ordem  é a desordem cósmica, como admitir que em meio a trilhões de galáxias e estrelas em conflito,  o Supremo Arquiteto tenha escolhido este grãzinho  de poeira  que habitamos para  palco de sua  performance? Ou a criação, aqui,   de um Filho que nunca teve, até por falta de esposa?  Mais ainda, dividir com uma pomba a inteligência criadora significa abrir mão de sua onipotência.
                                                        Criar fábulas como a ressurreição, bem como  vãs expectativas  de o pó tornar-se outra vez carne,  exprime apenas a impotência do ser humano em aceitar a verdade do fim de todos nós. A insistência em outra vida, até eterna,  nada mais é do que  desesperada tentativa de não acabar. O reconhecimento de ser a morte um caminho  sem volta, ainda que a  contribuição de muitos  para o aprimoramento humano possa perpetuar-se até o fim dos tempos, através da lembrança.  
                                                        A  questionar o monoteísmo que judeus e muçulmanos cultivam  melhor do que nós,  está essa imensidão de deuses inferiores, os ditos  santos, diante de cujas imagens  milhões de católicos se curvam,  à maneira de nossos ancestrais de todas as idades e regiões. Na maioria, indivíduos de vida perfeita  e  exemplos a perseguir, mas deuses, como a Igreja procura esconder como  santos? Nem pensar.   
                                                        Mas tem mais. Muito mais.  Por que esse aparato e essa liturgia  que fazem de padres, bispos e cardeais, sem esquecer o Papa,  candidatos a um vitorioso desfile de escolas de samba?  Chapelões ridículos, vestimentas de todas as cores e tamanhos, cabalísticos versos e hinos  entoados em procissões, em  língua extinta, quando na verdade bastaria estarem junto de nós, sem diferenciações, aprendendo a viver com a vida e ensinando acima de preconceitos?  
                                                        Muitas mudanças tem sido promovidas na Igreja Católica,  não haverá que nega-las. Acabou  essa história de os pecadores obrigarem-se a contar em detalhes os seus pecados,  para os segredos da confissão serem filtrados até as cúpulas que geriam o poder, tantas vezes a serviço da dominação política e militar.  Já não se queimam  mais hereges ou espíritos discordantes, ainda que até hoje se sufoquem  idéias contrárias aos dogmas. Desapareceu quase por completo a condenação eterna para quem faltar à missa dos domingos e morrer atropelado  logo depois, assim como andam na baixa  os conceitos de purgatório, limbo e do próprio inferno das chamas permanentes.     Mesmo assim, permanece a concepção de exprimir a Igreja Católica a única religião verdadeira, sendo as demais meras  apostasias e desvios capazes de dividir a Humanidade em duas porções,  a dos certos e a dos errados. Outros cultos caem na mesma armadilha, mas hoje a vez é dos que vão escolher seu novo chefe.  Aliás, uma aberração, porque a ninguém  pode ser dado o dom da infalibilidade. Nem o controle das verdades absolutas, que não existem.
                                                        Apesar de tudo, que sejam iluminados os cardeais agora reunidos. Indicar alguém capaz de enfrentar tantas dúvidas será impossível.  Mas reconhece-las poderá constituir-se num bom começo...   

Fonte: Cláudio Humberto
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