Por Carlos Chagas
Com todo o respeito, mas a montanha gerou um rato. As
propostas da presidente Dilma aos governadores e prefeitos das capitais,
ontem, tiveram o sabor das meias-solas com que tempos atrás os
sapateiros faziam a felicidade da classe média. Começa que os convidados
não puderam exprimir seus pontos de vista. Limitaram-se a meros
ouvintes de um discurso vago e fantasioso onde faltou o principal, ou
seja, como implementar mudanças e reformas apenas enunciadas.
Tome-se a principal referência, transmitida em mera sugestão para o
futuro: a convocação de uma Assembléia Constituinte Exclusiva para
realizar a reforma política. A chefe do governo recomenda um plebiscito
para o eleitorado decidir sobre uma inconstitucionalidade, mas não
define como e quanto essa consulta popular se realizaria. De imediato,
quer dizer, com imprescindíveis meses de preparação? Ou junto com as
eleições gerais do ano que vem?
Quem poderá candidatar-se? Os atuais deputados e senadores que
certamente disputarão a reeleição em 2014? Aqueles que tiverem sido
derrotados em pleitos anteriores, demonstrando a queda de nível da
representação? Ou haverá a possibilidade desse histriônico acúmulo de
funções? Constituintes exclusivos de manhã, parlamentares de tarde?
Que tal a discriminação elitista de poderem integrar a Constituinte
Exclusiva apenas os bacharéis em Direito? Os professores com livros
publicados, mas será preciso saber se suas edições não encalharam?
Mas tem mais. Muito mais. Funcionando ao mesmo tempo, o Congresso e a
Exclusiva poderão bater de frente. Se esta votar a proibição de
doações particulares nas campanhas eleitorais e aquele determinar a
possibilidade de as empresas continuarem contribuindo para os
candidatos, presume-se que prevaleça a decisão dos exclusivos, mas se
logo depois ou ao mesmo tempo deputados e senadores utilizarem seu poder
constituinte derivado, cláusula pétrea da carta de 1988, que decisão
prevalecerá?
Quem convocará a Constituinte Exclusiva? O próprio Congresso, caso o
plebiscito se manifeste a favor? Mas se a maioria parlamentar recusar-se
a gerar esse filho espúrio, deverá o Executivo sobrepor-se ao
Legislativo, quem sabe através de um Ato Institucional? Quanto ao
Judiciário, na hipótese de conflito entre as duas instituições,
reivindicará o poder decisório?
Surgem outros obstáculos: onde se reunirá a Assembléia Constituinte
Exclusiva? Quantos integrantes terá? Se for em Brasília, talvez no
estádio Mané Garrincha, enquanto a Copa do Mundo de Futebol não
começar. Quem arcará com as despesas, quantos funcionários trabalharão
nela?
Em suma, a principal proposta da presidente Dilma compõe uma farsa
daquelas destinadas a enganar os trouxas. Será uma reverência a mais
que sucessora faz ao antecessor, porque essa idéia absurda foi pela
primeira vez levantada pelo Lula, anos atrás. Uma forma de enxugar gelo e
de ensacar fumaça, enganando não se sabe quem, porque a juventude que
foi e continua nas ruas quer a reforma política, ainda que prefira
educação e saúde mais eficientes, assim como efetivo combate à
corrupção.
Se fosse para promover a reforma política, no entanto, ao contrário
dessa enganação, bastaria a presidente convocar ao seu gabinete os
líderes e dirigentes dos partidos de sua base, deixá-los a pão e água
enquanto não se entendessem e chegar a um elenco de mudanças
político-eleitorais capazes de formar novas instituições. A maioria de
que o governo imagina deter votaria o projeto em quinze minutos. Caso
contrário, melhor seria que todos renunciassem. Porque pretender que o
governo tem maioria quando não tem, impõe, no mínimo, uma nova
maioria. Ou um novo governo...